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    Divergente
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Divergente

    Jovens em guerra

    por Bruno Carmelo

    É curioso o mundo de Divergente. Logo nos minutos iniciais, Tris (Shailene Woodley) explica direitinho ao espectador que, em um futuro não muito distante, a cidade de Chicago está destruída e os moradores foram separados em facções, de acordo com suas qualidades e escolhas. Como ocorreu essa separação? Ninguém protestou no início? O que havia antes da divisão? Por que estas cinco facções, e não outras? O sistema de divisão dá conta de profissões como agricultores (Amizade), advogados (Erudição) e guardas (Audácia), mas onde ficam os médicos, os artistas? O que fazem aqueles da Franqueza? Não se sabe.

    Talvez o livro explique bem este contexto social e histórico (não, o autor deste texto não leu a obra de Veronica Roth), mas o filme não fornece explicações. Para os não iniciados, pode ser difícil entrar neste mundo, compreender porque é tão arriscado não pertencer a nenhuma facção e se tornar um divergente, como se faz a separação e eventual contato entre as facções, como ocorrem as eleições para determinar qual facção vai liderar as demais. Pelo menos a trajetória começa a ficar clara através de Tris e de sua escolha de abandonar a facção de origem (Abnegação) para aderir aos jovens aventureiros, violentos e amantes de parkour da Audácia.

    O campo onde mora este grupo funciona como uma espécie de treinamento militar extremo, baseando-se na ideia de que os fracos merecem, no melhor dos casos, a exclusão, e no pior dos casos, a morte. O governo em Divergente é afeito a práticas nazi-fascistas – talvez por isso Kate Winslet, a vilã da história, tenha se definido como uma “Hitler feminina”. No entanto, não se deseja purificar o povo pela imposição da raça ariana, e sim pela máxima produtividade e pela aversão à “natureza humana”: a líder pretende excluir ciúme, inveja e outras fraquezas humanas para criar um exército de robôs/zumbis sem subjetividade.

    Comercialmente, é difícil não associar Divergente a outras franquias infanto-juvenis de sucesso, como Crepúsculo e Jogos Vorazes, por serem adaptações literárias buscando o mesmo público-alvo. Com Crepúsculo, este filme tem em comum a defesa da abstinência sexual (Tris evita o sexo, e um de seus maiores medos, revelado em público, é de ser estuprada pelo homem que ama), e de Jogos Vorazes tira-se a estrutura de jovens que brigam entre si para selecionar os mais fortes – para impor uma lógica de pão e circo, no caso da história de Katniss, e por autoimposição dos próprios jovens, no caso das violentas regras internas da Audácia. Os dois governos são tirânicos, mas o de Divergente parece mais perverso, já que os próprios moradores assimilaram as regras e passaram a reproduzir por conta própria a lógica do extermínio.

    Talvez as semelhanças parem por aí. Crepúsculo era certamente mais meloso e romântico do que Divergente, já Jogos Vorazes apresentava uma ousadia para figurinos e cenários que o mundo de Tris nem ousa imaginar. O cenário futurista de Chicago é bastante minimalista, como se o futuro não trouxesse muitas mudanças estéticas em relação ao presente (ou como se os diretores de arte tivessem um orçamento reduzido para trabalhar). Os moradores da Abnegação são conhecidos pelo voto de pobreza, mas as demais facções possuem roupas e identidades visuais igualmente simples. Talvez o exemplo maior da pouca inventividade visual seja o figurino de Jeanine Matthews (Winslet), que deveria representar o poder, a autoridade e frieza, mas parece apenas uma executiva qualquer.

    Divergente possui algumas vantagens em relação às outras franquias citadas. Há muito mais cenas de ação, combate, mais sangue e mais treinamento pelo qual Tris deve passar. O roteiro acompanha com calma o aperfeiçoamento da garota na arte da guerra – diferentemente de Katniss, ela não tem nenhum talento inato antes de adentrar os “jogos”, no caso, os treinos. O ritmo dos treinamentos é bom, convincente, e Shailene Woodley consegue dar conta da complexidade da personagem, principalmente em momentos de tensão, como os cenários do medo e o teste das facas. O diretor Neil Burger foi bem-sucedido ao apostar no talento da atriz e aproximar a câmera do rosto dela sempre que possível.

    O mesmo não pode ser dito do resto do elenco, com atuações fracas, especialmente do inexpressivo Theo James. Mesmo a talentosa Kate Winslet se esforça para não transformar Jeanine em uma simples megera, mas não consegue fazer milagres com uma personagem tão superficial. O cineasta Neil Burger tampouco traz alguma ousadia estética, limitando-se a filmar seus personagens de perto e criar grandes planos aéreos da cidade futurista (que revelam a limitação dos efeitos especiais).

    Quanto ao roteiro, é uma pena que a quantidade surpreendente de reviravoltas em Divergente acabe sacrificando a tensão. Momentos importantes como os testes dentro da Audácia, ou o teste de aptidão de Tris são revelados sem nenhum suspense, sem cenas de antecipação. Quando começam os testes, Tris é sempre uma das primeiras a participar, entra na sala rapidamente e faz o que tem que fazer. Tivesse mais tempo ou mais atenção ao ritmo, o diretor conseguiria construir uma atmosfera claustrofóbica – o que Jogos Vorazes obteve com maior sucesso em sua arena de jogos.

    Mesmo assim, Divergente diverte com as boas cenas de ação e com o aumento gradual da dificuldade que Tris deve enfrentar. Também vale destacar o romance simples e pontual da protagonista com o líder Quatro, sem excessivas cenas de amor. Apesar do contexto esparso e do visual fraco, o filme conseguiu cumprir os dois maiores desafios que tinha pela frente: incluir o máximo de história possível no roteiro, para agradar os fãs do livro, e explicar as mínimas bases da história, para aqueles que ainda não conhecem a obra de Veronica Roth. 

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