Confesso que pensei em mil maneiras de começar esta crítica, mas nenhuma me agradou. Acho que essa indecisão reflete exatamente como me sinto com relação a "Noé". Aronofsky traz às telonas uma visão bastante interessante do herói bíblico, isso é indiscutível.
Pra começar, ele explica, de uma maneira até bastante didática, quem é Noé. Se você achava que o Aragorn ou a Daenerys Targaryen é que tinham muitos ancestrais importantes e que sempre eram mencionados quando eles se apresentavam pros outros, segura esta: Noé era filho de Lameque, que era filho de Matusalém, que era filho de Enoque, que era filho de Jarede, que era filho de Malalel, que era filho de Cainan, que era filho de Enos, que era filho de Sete, que era filho de ninguém menos que Adão, o primeiro homem. Ufa. Parece (e é) complicado, mas a maneira como isso é exposto no filme é bem clara e simples, ajudando o espectador a ter uma noção melhor da história dele sem precisar ler a Bíblia antes de ir ao cinema. Ponto pro Aronofsky. Outra coisa que ficou bem legal foi a maneira como Noé foi retratado: como um cara verdadeiramente humano. Não há nada de bonitinho e angelical nele, como muitas pessoas tendem a pensar quando se trata de algum personagem bíblico. As dúvidas, os erros e os julgamentos que Noé faz são todos demonstrados da mesma maneira que sua bondade e sua conexão com Deus. Sua família (composta por ele, a esposa e três filhos homens) também é retratada de uma maneira bastante sóbria e pé no chão, o que dá mais vivacidade à história. Além disso, a escolha de Russel Crowe como protagonista foi, a meu ver, acertadíssima. Poucos conseguem dar conta do combo cena de luta + pressão psicológica + sensibilidade e afeto como ele.
Visualmente, como era de esperar, o filme também é um show. Além dos cenários bem produzidos e das belas criaturas, existem alguns momentos mais acelerados na trama que podiam muito bem ser curtas-metragens por si sós, de tão bem feitos, com um destaque especial para a cena em que Noé conta a sua família sobre a criação do mundo.
Bom, vou dizer agora o que me incomodou. Com certeza não é NADA fácil adaptar uma história bíblica pro cinema. Além de você sempre correr o risco de deixar os mais religiosos bastante enfurecidos (por qualquer motivo que seja – fazer isso, não fazer aquilo, mudar aquela outra coisa…), acaba sendo necessário literalmente inventar uma série de coisas pra suprir as “falhas” inexplicáveis da história. Coisas do tipo: como ele construiu a arca? Como os animais vieram até ele? Como ele manteve os animais dentro da arca? Enfim, fatos que, na Bíblia, não “precisam” de muita explicação, mas numa tela de cinema, precisam de um jeito de serem retratados. Algumas dessas invenções deram certo e funcionaram bem. Outras… Nem tanto. A inserção da Emma Watson é uma delas. Eu a adoro, mas não entendi até agora por que ela foi enfiada ali no meio – a impressão que passa é que foi criada uma personagem só pra ela aparecer no filme. Não que ela tenha ido mal, pelo contrário – mandou muito bem e foi superimportante pra trama. Só não deu pra entender pra quê aquilo, já que a história certamente é bem rica e eles com certeza deixaram outras coisas de fora pra inserir essa personagem. E essa tentativa de mesclar a sétima arte com a história de um livro sagrado acaba, por vezes, deixando alguns buracos no meio do caminho. Aí você sai do cinema cheio de dúvidas na cabeça e não sabe bem o que escrever na sua crítica da semana pro blog.
De qualquer forma, é um filme que vale a pena ser visto, pois, apesar de ser bem longuinho (quase duas horas e meia), consegue capturar sua atenção o tempo todo, fazendo-o não querer sair do cinema sem ver tudo até o final.