Se eu digo a palavra Monstro, é bem provável que você conjure, em sua imaginação, um dos Kaijus gigantescos de Círculo de Fogo ou a criatura de Victor Frankenstein. O conceito de Monstro, na antiguidade, é bem diferente. A palavra “mostrar” e “monstro” dividem entre si uma raiz, e o Monstro é a materialização de um alerta – e surge para mostrar que algo não está correto. A criatura de Frankenstein é um mostro dos limites da ciência, Drácula um monstro do poder da aristocracia, Godzilla (ou Gojira), um monstro do desrespeito ao meio ambiente. A mãe de Carrie a percebe, desde seu nascimento, como um monstro – a materialização do seu próprio “pecado”, o do desejo sexual. Mas é a sociedade que torna Carrie um dos mais impressionantes monstros do cinema e literatura modernos – ela é um aviso, polivalente e complexo, dos perigos do bullying, do desrespeito às diferenças, da violência e da crença religiosa cega.
Ninguém decide refilmar um clássico de gênero, e um clássico do cinema em geral, e espera que não existirão comparações com o original. Kimberly Peirce se escondeu atrás da velha desculpa de “não é um remake, e sim uma readaptação do material de Stephen King”. Mas sua versão para a história de Carrie nasce em um mundo prévio, que já conhece a película filmada em 1973 por Brian DePalma. Nos afastando das comparações, o máximo que pode ser dito do novo Carrie é que, como uma obra isolada, é um horror adolescente medíocre ou um piloto para uma série duvidosa da CW. Comparando com a versão original? Deixa de ser medíocre e se torna um insulto.
É fácil partir imediatamente para o ataque ao filme mirando no seu possível elo mais visível, a interpretação de Chloe Moretz. A escolha de Chloe para o papel foi controversa (eu me juntei rapidamente ao coro que apontava em Chloe uma ausência de fragilidade, elemento essencial para a personagem). Até a cena pivotal, do Baile, Chloe é na verdade um destaque positivo do filme, sorrindo em seus poucas experiências com a normalidade, um sorriso doloroso, meigo. Julianne Moore comanda suas cenas como Margaret White, que ganha ares menos assustadores que no filme de Brian DePalma, mas é humanizada. O grande erro no tratamento de Margaret nessa versão está na sequência de abertura, que não apenas coleciona erros de continuidade (ninguém no set ou na edição reparou nisso?), mas é quase cômica em sua improbabilidade.
Até a cena do baile, apenas um erro se sustenta nesta versão: o excesso de demonstrações dos poderes de Carrie. Ao invés de trabalhar e construir o personagem, Peirce estoura lâmpadas, explode bebedouros, levanta camas, quebra portas, e torna difícil a crença de que ninguém ao redor de Carrie percebeu que a garota possuia poderes – e que esses poderes eram desencadeados pela ira. Sobre fidelidade à obra literária, pouco posso dizer, mas as mudanças descomplexificam Carrie White.
Mas é no baile que a mistura desanda, de vez. Carrie, ao invés de perder o controle de seus poderes em uma explosão de raiva, vergonha e sofrimento, persegue e mata cada um de seus antagonistas, direcionando seus poderes com mãos de Jedi, enquanto Kimberly filma as mortes como em uma sequência da série Premonição. A exploração da violência é predatorial, barata, e este é um filme “Bully”, perdendo assim seu sentido original. No final, tudo é explicado em frases de efeito e imagens de luto, esmagando a sutileza narrativa que coexistia sim, no original, com o visual kitsch.
E, exagerando ainda mais nas exigências, não é estranho pensar que Kimberly colocou a inocente Sue, morena no filme original, loira, e a vilanesca Chris, loira no filme original, agora morena, de traços étnicos?
Você consegue se lembrar de algum remake recente de horror que é MAIS SUTIL que o original? Para satisfazer as necessidades de catarse de um público que, com 12 anos de idade, já lotava filas para Torture Porns como Jogos Mortais, um público que já não se assusta com nada (e não paga ingresso se tais sustos não forem prometidos, afinal, pouco importa uma narrativa satisfatória), o remake deve sempre ser maior, mais lotado de efeitos especiais, mais violento, mais… óbvio.
Um exercício interessante de revisionismo histórico: e se o filme original nunca houvesse existido? Dessa maneira, uma história que hoje é parte do repertório permanente da cultura pop, uma obra-prima (mesmo em todas as suas imperfeições e exageros datados) inesquecível, seria apenas um filme de entressafra esquecido em 6 meses, um ano. Ainda bem, para todos nós e para a história do cinema, que DePalma chegou primeiro.