Um pastiche, um horror
por Rodrigo TorresEscritores cientes da potência de uma história baseada em fatos reais já faturaram muito na história contemporânea. Se os irmãos Joel e Ethan Coen foram muito felizes em, com essa única informação, manter o público vidrado na história surreal de Fargo, o autor Jay Anson parece ter abusado dos limites da ética ao usar desse expediente em "Horror em Amityville". O resultado foi um livro de fatos suspeitos, porém tremendo sucesso, estendido para a adaptação cinematográfica de 1979. Outros filmes da época gozaram dos mesmos contornos de lenda urbana para ser um fenômeno de bilheteria, vide O Exorcista e Poltergeist; porém, nesse microcosmo, apenas o longa-metragem de Stuart Rosenberg colheu frutos apesar de uma recepção majoritariamente negativa da crítica especializada.
Após diversas continuações de baixa qualidade e uma refilmagem em 2005 que serviria apenas para Ryan Reynolds zombar de si mesmo em Deadpool, o diretor e roteirista Franck Khalfoun achou uma boa ideia apelar para a comicidade em Amityville: O Despertar. Para efeito de comparação mais preciso, o objetivo é produzir algo como o alcançado em Os Mercenários 2: uma homenagem e uma autossátira (no filme de 2012, reunindo violência, melodrama e toda sorte de exageros do cinema de ação dos anos 80, além de seus ícones) que opere sua autoconsciência com eficiência e resulte em um ótimo exemplar do gênero. A consequência disso no novo Amityville, porém, mais se aproxima de um desastre como A Saga Molusco - Anoitecer, cuja sucessão de gags escatológicas sem a menor graça ou mínima articulação até melhora as características do objeto de sua paródia — a já fraquíssima Saga Crepúsculo. É quando a autoconsciência dá lugar à autoindulgência.
Reflexo disso é o modo gratuito com que Amityville: O Despertar explora o corpo de Bella Thorne. Se, novamente, em Expendables 2 é nítido o teor satírico da câmera em constante close e slow motion que registra solenemente a pele suada, as veias saltadas, os músculos proeminentes de Sylvester Stallone pressionando sua roupa justa (uma ironia que reside no grave contraponto entre os modos truculentos do personagem e sua vestimenta fetichista, tão homoerótica), nessa produção da Blumhouse, as lentes fotografam a protagonista por trás, de short curto, corpo empinado, sem o menor propósito — que não apreciar suas curvas de maneira juvenil e onanista. Isso denota um subaproveitamento também presente nas referências metalinguísticas do filme, com Terrence (Thomas Mann) citando clichês do gênero que não serão explorados como forma de subversão ou humor, e, sim, por complacência. Quer dizer: serve apenas para o longa adotar os caminhos mais previsíveis sem pudor, sem inspiração, sem competência.
Esse desperdício repercute no bom elenco. Os personagens de Kurtwood Smith (Robocop, That '70s Show) e Jennifer Morrison (House, Once Upon a Time) não têm outra função na trama senão ser vítimas da entidade maligna que habita a mansão da Ocean Avenue, 112. Cameron Monaghan (Gotham) consegue ser mais canastrão quando se levanta e age sob influência do demônio do que pela expressividade vulgar quando em estado vegetativo — consequência também do roteiro e, principalmente, da direção. Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados) incorpora a típica mãe atormentada sem em nenhum momento produzir o efeito psicológico funcional do arquétipo e ainda oferta a pior explicação possível para a razão de ser de Amityville: O Despertar: o porquê de a família se mudar para uma casa isolada sabidamente amaldiçoada. A motivação é patética, sua apresentação é pífia.
Com tantos problemas de concepção, Amityville: O Despertar também fracassa em sua função mais básica: o horror como gênero e efeito no espectador. O susto é provocado da maneira batida e cretina (o aumento repentino da trilha, a aparição em flash de uma criatura bizarra etc) que motiva o esforço de críticos equivocados em definir uma nova categorização: pós-terror, vertente em que a construção é sutil, o horror é não só psicológico, como minimalista, o sobressalto do público é consequência talvez dispensável e o selo de arte é garantido. Segregar é bobagem, tudo pertence ao mesmo gênero, em todas as suas nuances, sua complexidade. Mas é fato que filmes como A Bruxa, Corrente do Mal, Ao Cair da Noite e afins, em sua mise-en-scène mais elaborada, mais sofisticada, impressiona tanto pelo esforço artístico como por sua expressão do medo — densa, atmosférica, urgente, eficaz — o que, infelizmente, passa longe desse trabalho de Franck Khalfoun.