Corrigindo as redações de seus alunos, a quem pediu para escrever sobre o "o que fizeram no último final de semana", o professor Germain descobre um trabalho interessante e bem escrito de seu aluno Claude Garcia. O inusitado é que ele descreve o final de semana que passou na casa de outro colega, em minúcias e comentários irônicos sobre toda a família. Para piorar, Claude termina a redação com um sugestivo "...continua".
Intrigado e ao mesmo tempo curioso em saber como a história vai terminar - sem estar certo se descreve fatos verídicos ou não - o professor começa a dar conselhos sobre a escrita literária, ao mesmo tempo que incentiva Claude a continuar escrevendo.
A cada pedaço de história que Claude entrega ao professor, e que acompanhamos em imagens, a sequência da narração do que se passa dentro da casa do colega Rapha vai sendo formada, escrita, reescrita, aperfeiçoada - com intromissões e cumplicidade tanto do professor quanto de sua esposa, Jeanne (Scott Thomas), que também tem acesso às redações. Até chegarmos a um ponto em que não sabemos mais se o que Claude escreve (e vemos se desenrolar na tela) é o que ele realmente viu na casa, se corresponde aos seus desejos, se quer agradar o professor - ou em última instância, se quer agradar a nós, leitores/espectadores "voyeuristas" do filme. Esta cumplicidade do narrador (Claude) com a platéia/leitores - ou seja, nós - fica evidente em cenas em que Claude lança olhares maliciosos, olhando diretamente para a câmera. É neste momento, em que a chamada "quarta parede" é quebrada, é que você, espectador, é convidado a entrar no jogo deste rapaz inteligente e manipulador.
Dentro da Casa possui uma fina ironia, e lança farpas em várias direções e aspectos da sociedade ocidental moderna. São deliciosas e hilárias as cenas que enfocam a galeria de arte em que trabalha Jeanne (Kristin Scott Thomas) - a esposa de Germain - que aproveitam para debochar escancaradamente do que se convencionou chamar de arte contemporânea, com suas "instalações" bizarras, e obras que ninguém entende, ninguém gosta e ninguém compra.
O elenco é afiadíssimo, com destaque para o trio central (Fabrice Lucchini, Kristin Scott Thomas e Ernst Umhauer), o que colabora em muito para prender nossa atenção e acompanhar a história, com suas inúmeras reviravoltas. Em um dos conselhos que o professor dá a seu talentoso aluno, ele diz que o leitor sempre aguarda um final sobre o qual possa dizer "ah, não esperava este final" ao mesmo tempo que reflete "é, o final não poderia ser diferente". Desta maneira, o final do filme pode desagradar a muitos, porque ele não parece ter seguido esta, nem nenhuma das outras "regras" literárias do Professor Germain. Mas ai esta a crítica ou auto-crítica que o diretor lança sorrateiramente sobre todos nós: muitas vezes confundimos realidade com ficção, fatos com fantasias, e esquecemos que a vida não tem finais felizes nem apoteóticos. Mas, quando menos esperamos, nos prega peças, nos surpreendendo com desfechos muitas vezes dolorosos e totalmente desprovidos de sentido. Assim é a vida...