Família moderna
por Bruno CarmeloÉ com receio que se assiste a um longa-metragem adaptado de um livro infantil de apenas 30 páginas. Se o conteúdo original é tão simples, como um filme poderia expandir essa ideia? Mas talvez esses casos possibilitem as melhores adaptações: quando cineastas e produtores têm menor obrigação de se ater a uma história, podem tomar liberdades em relação ao conteúdo original, adaptando-o ao seu gosto e à sua época. Este já tinha sido o caso do belíssimo Onde Vivem os Monstros (2009), outro longa inspirado em um pequeno livro, e é o caso do não tão belo, mas ainda assim divertido, Alexandre e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso.
A premissa é simples: uma família numerosa de classe média não tem tempo a dedicar ao pobre Alexander (Ed Oxenbould), de 12 anos de idade. Seu irmão recém-nascido exige muita atenção, assim como os irmãos mais velhos em plena revolta adolescente. Alexander está naquela fase complexa de autoafirmação, em que não se sente mais criança, mas não se é considerado “um homem” pela sociedade. Por esta razão, em seu aniversário, o garoto deseja que os pais tenham um péssimo dia, para entenderem como ele se sente. Ou seja, o pedido do protagonista não parte exatamente de um sentimento de vingança, mas da vontade de dar uma lição na família.
A intenção pedagógica do personagem é compartilhada pelo livro original, e também pelo diretor Miguel Arteta. Depois de um dia incrível, chega o tal dia péssimo do título, em que tudo de ruim acontece a cada membro da família. Esta sequência poderia resultar em uma aberração de excessos e humor físico, mas felizmente Arteta tem um olhar terno aos seus personagens, não deixando que se exponham completamente ao ridículo. A montagem alterna as sequências de acidentes de maneira balanceada, enxuta.
De modo geral, todos os aspectos técnicos contribuem para a impressão de um filme suave: ao invés das cores saturadas de Diário de um Banana, por exemplo, a fotografia opta por tons mais naturais; ao invés da música invasiva e melodramática de Winter, o Golfinho (para citar outro exemplo de produção voltada à família), esta história usa sons e músicas de maneira comedida. Não há nenhuma surpresa na história, mas a previsibilidade é esperada dentro da pedagogia da narrativa. A intenção é ensinar, e por esta razão sublinham-se os exemplos mais evidentes. Mesmo assim, Alexandre e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso não parece insistente ou redundante.
Isso porque o filme não tenta transmitir uma lição de vida, defender uma moral em detrimento de outra. Ele tampouco condena eventuais desvios (vide a conotação sexual na presença dos strippers, e a metáfora das drogas representadas pela overdose de xarope). Talvez uma imagem deixe a comparação mais clara: enquanto a maior parte das produções infantis lembra uma professora de pré-primário, martelando uma visão rígida de certo e errado, este discurso lembra a sabedoria de algum avô idoso que fala de sua vivência calmamente, sem definir de maneira tão clara os limites entre o bem e o mal. O roteiro prega o apego a todos os sentimentos e experiências, incluindo a raiva quando necessário, ao invés de simplesmente fingir que o mundo lá fora é perfeito – e nesse sentido, vai de encontro à idealização do American Way of Life.
Aliás, esta história tem um olhar surpreendentemente aberto às novas configurações sociais e familiares. No núcleo familiar central, é a mãe quem trabalha, enquanto o pai cuida das crianças, algo que não é apresentado como um problema. Uma garotinha de 12 anos defende teses feministas, outra garota interpreta o papel de Peter Pan na escola, e o adolescente popular tem o comportamento controlado pela namorada. Critica-se a febre por smartphones, através do hilário garoto que usa “hashtags” quando fala. O tal sistema de castas, típico do imaginário dos colégios americanos, está ausente: nada de patricinhas ou nerds sofrendo bullying nos corredores, apenas um desequilíbrio natural de gostos e de popularidade entre as crianças. O mundo retratado nesta história parece menos mercantilizado do que nas produções que pretendem doutrinar os pequenos.
O elenco contribui para a naturalidade. Não são escolhidos atores lindos, filmados em suas melhores poses, nem figuras horríveis. Arteta procura um meio termo, povoando o mundo dos adultos de seres médios, e fazendo o mesmo para as crianças. Steve Carell, que sabe ser careteiro quando precisa, mostra-se contido, e o mesmo vale para Jennifer Garner. Como poderia se esperar, a conclusão apela para uma conciliação mágica e capitalista, quando a família em difícil situação financeira miraculosamente organiza uma festa gigante, para a alegria de todos. Não há nada subversivo neste ponto de vista, mas ao imaginar que os bons costumes possam ser compatíveis com a visão contemporânea de família e de gênero, Alexandre e o Dia Terrível, Horrível, Espantoso e Horroroso proporciona uma diversão familiar muito mais inteligente do que a média.