Eu nunca pensei que poderia chamar um filme de Kathryn Bigelow de OBRA-PRIMA. Bom, prova completa de que o mundo dá voltas. Detesto seus filmes anteriores e, confesso, peguei uma certa birra por causa da superestimação do horrível Guerra ao Terror, mas não é que aqui ela concebe uma obra completa, bem conduzida e muito, muito bem feita? É Cinema em estado bruto, e dos bons.
Desde as primeiras cenas em que somos apresentados aos personagens, conflitos, e a real história levamos um choque de realidade. A cena inicial, e a forma com que a protagonista Maya é inserida na história é magistral. Coisa de mestre mesmo. E sua transformação é sensacional. Podemos ver a maneira com que Maya vai, com o tempo, sendo a própria operação e a sua obsessão com "pegar Bin Laden" tomar conta dela própria. Existe Maya, e existe a Obsessão de Maya, que por si própria se torna um personagem´substancial e imprescindível nessa história.
Ora, o filme não é sobre Bin Laden, nunca o vemos (graças a deus... ops, graças a Bigelow!!!). O filme é sobre Maya e suas motivações, e sua conquista da vida. Mark Boal criou, talvez, a personagem feminina mais forte dos últimos anos. A Bigelow coroa tudo isso com uma direção concisa, cheia de pormenores a serem notados (a mise-en-scene do filme é notavelmente pensada cena-a-cena). A impressão que fica é que ela se aperfeiçoou demais depois de ter vencido o Oscar. Seu estilo característico continua ali, só que com um amadurecimento notório.
Jessica Chastain entrega aqui a melhor atuação de sua vida até agora. Como é bom quando surge uma Jessica Chastain no Cinema, e aqui, ela prova que é, realmente, a melhor atriz que surgiu nessa década. Ela não tem uma atuação explosiva, é completamente minimalista. Do inicio ao fim. Desde quando ela se altera, até seus momentos em silencio (que não são poucos). E, aliada com a fotografia cuidadosamente pensada, principalmente nas cenas da personagem, ela dá um show. Três cenas, em momentos diferentes, são suas melhores e se destacam pra mim:
- A primeira é quando Maya está observando a tortura, logo no inicio do filme, e é deixada sozinha na sala. Em todo momento podemos perceber sua descompostura por estar presenciando aquilo, e numa atuação contida, sem nem se movimentar direito. Quando fica sozinha com o terrorista, Maya dá um passo pra frente e podemos ver toda sua força, naquela que parecia ser uma mulher bastante frágil: "You can help yourself by being truthful."
- A segunda cena é aquela em que a agente da CIA confronta Bradley e diz que sim, ele teria que dar atenção à caçada por Bin Laden. Se alguém tinha alguma dúvida sobre o poder de persuasão dessa mulher, essa dúvida cai por terra nessa cena. Que aliás, tem um texto absurdamente maravilhoso.
- E claro, por último, sua cena final. Ao chorar, Maya literalmente desmorona. A motivação da sua vida finalmente terminou, e ela se sente vazia. Recompensada, porém vazia. E chora por isso. Chastain consegue transmitir todos esses sentimentos em poucos instantes. O que seria dela a partir daquele momento? O filme não podia acabar melhor.
E não é só a protagonista que domina. Os coadjuvantes também têm vez, Jehnnifer Ehle aparece pouco, mas traz todo seu talento à sua personagem, de forma que seu desfecho chega a comover, de verdade. Mas um destaque enorme deve ser dado pra Jason Clarke (que devia ter sido indicado a todos os prêmios possíveis, diga-se de passagem) e Kyle Chandler, que me surpreendeu bastante, e muito positivamente. Eu só esperava que James Gandolfini tivesse uma participação mais recorrente, talvez até tenha sido prejudicado na montagem final, o que é uma pena.
Quando terminou a sessão de A Hora Mais Escura eu me sentia em êxtase. O desenvolvimento é tão sensacional, os diálogos são tão marcantes, o caminho pra chegar à tão dita invasão é tão impressionante que não teve um momento sequer que eu senti tédio ou qualquer coisa assim. Cada cena está ali por uma razão, e tem o tempo necessário. Ou talvez tenha sido choque por ter visto um filme tão perfeitamente montado, dirigido e roteirizado vindo de Mark Boal e Kathryn Bigelow. Quer saber? É tudo a mesma coisa. O fato, mesmo, é que A Hora Mais Escura é um dos melhores filmes de 2012. E é muito gratificante viver uma surpresa cinematográfica desse tamanho.