De que lado você está?
por Bruno CarmeloElena é um dos raros "filmes morais" dos nossos dias. Ele faz de seu conflito principal não uma reviravolta particular, e sim a decisão de um personagem. No caso, acompanhamos a trajetória de Elena, dividida entre corresponder às vontades do novo marido, um milionário afetuoso, ou atender aos pedidos do filho, um jovem pobre e irresponsável. Por puro sadismo do roteiro, ela é obrigada a sacrificar um dos dois.
Esta história não tem a sutileza nem a complexidade de A Separação, grande filme moral dos últimos anos, mas ela opta por um esquema ainda mais perverso, fazendo o espectador acompanhar Elena e torcer por ela, escolhendo um lado – o que não ocorria em A Separação. Na hora de tomar uma decisão entre os dois homens de sua vida, observa-se apenas os fatos: ela faz sua escolha e procede a um ato violento, rápido e eficaz.
O grande interesse, e também o grande incômodo, deste drama, é a recusa voluntária da psicologia. Não se explica o porquê das decisões, nem o conflito interno de cada personagem. De modo frio e analítico, a câmera acompanha Elena, de longe, e limita-se a observar suas manifestações. Cabe ao espectador imaginar como esta senhora seria capaz de tais atos. Ou seja, o espectador é ativo na trama, provocado do início ao fim pela direção e pelo roteiro.
O diretor russo Andrey Zviaguintsev sempre foi mais conhecido pelo apuro visual do que pelo talento narrativo, mas aqui ele abandona as belas imagens de natureza, vistas em O Retorno e The Banishement, para se focar no roteiro, na construção de personagens. Cada detalhe é cuidadosamente planejado, como uma televisão sempre ligada em programas populares, nos quais os calouros devem escolher entre tal ou tal garota para um encontro, ou entre tal e tal produto. Elena é um filme sobre a dificuldade das decisões, e não é por acaso que as mulheres nestes programas também se chamam Elena, ou Katya (como a filha de seu marido). O apresentador de TV pergunta: "E então, Elena, o que você vai fazer?".
Elena, Katya, Vladimir (o marido) e os outros personagens fazem parte de uma mesma ciranda, onde nenhum é culpado ou inocente. Katya, em especial, é uma destas personagens ambíguas, marcada tanto pelo cinismo quanto pela profunda inteligência. Ela parece fria aos olhos de Elena, mas apenas perturbada diante do pai. A jovem Elena Lyadova (ao lado) interpreta esta garota com maestria, e as cenas em que enfrenta Elena (Nadezhda Markina) são riquíssimas em tensão.
A tensão, aliás, leva este drama à fronteira do suspense, com um tema musical repetitivo e sombrio permeando a história rumo ao clímax. Mesmo a cena da academia de ginástica, aparentemente banal, é marcada pelos violinos angustiados, indicando que algo está por acontecer. Com Elena, Zviaguintsev parou de tentar impressionar o espectador para começar a provocá-lo, a perturbá-lo, fazendo de sua obra um filme muito mais complexo do que o simples desfile de belos enquadramentos que compunham sua filmografia até então. A sarcástica cena final o comprova: diante de uma conclusão tão ironicamente feliz, quem é capaz de culpar Elena?