A idade da inocência
por Bruno CarmeloO Que Eu Mais Desejo exige certa credulidade do espectador. Talvez não exatamente boa fé, mas aquela crença, meio perdida nos dias de hoje, de que somente as crianças são realmente puras, íntegras e espontâneas. Ou seja, é importante anunciar, desde o início, que este é um filme sobre a infância, feito para adultos – nostálgicos, de preferência.
O olhar adulto em questão vem do diretor japonês Hirokazu Kore-Eda, que sempre deu grande atenção aos personagens infantis, mas que abandona gradativamente o olhar duro e naturalista de Ninguém Pode Saber (2004) e Still Walking (2008) para adotar a melancolia e o sentimentalismo típico dos avós - como já tinha feito no paternalista Air Doll (2009). Aliás, esta narrativa é muito bem segmentada em três gerações: as crianças ingênuas, os pais desestruturados, e finalmente os avós, incondicionalmente bons, compreensivos, adoradores das crianças. É neste olhar saudosista da terceira idade que se encontra o filme, tão impiedoso com os filhos quanto clemente com os netos.
A narrativa apresenta dois irmãos pequenos, separados após o divórcio dos pais. Um deles mora com a mãe, tradicional; e o outro com o pai, um músico neo-hippie. Como um vulcão os separa, o irmão mais velho deseja que uma erupção violenta destrua sua própria cidade, para que ele e a mãe sejam obrigados a morar com o pai e o irmão, recompondo assim a família. Para isso, eles fazem um desejo ao trem-bala (e não mais à natureza, afinal, este é um conto dos tempos modernos), esperando que a velocidade espantosa do veículo realize milagres.
Depois dos diálogos bastante explicativos do início – é uma pena ver personagens tão complexos verbalizarem de maneira simplória suas dores – o diretor corre para transformar seu drama em uma aventura entre amigos, um ritual de passagem à fase adulta. Ele amplia a história principal dos dois irmãos, inclui mais meia dúzia de crianças na trama e explora os sonhos de cada um, com desejos dos mais complexos (a reunião familiar) aos mais fúteis (completar uma coleção de bonecos).
Muitos sorrisos brotaram na sala de cinema diante de tamanha desproporção, mostrando que tanto o diretor quanto o público-alvo acharam encantador este peculiar raciocínio infantil. Acostumado às imagens realistas, à câmera na mão e à luz natural, Kore-Eda não hesita, no entanto, a rechear este filme com músicas típicas de aventura, deliciando-se com imagens de crianças que correm para todos os lados, perseguem trens e criam mentiras inverossímeis para escaparem da escola.
O humor agridoce do drama nasce da incompatibilidade entre os planos das crianças e a prática da vida adulta. Neste sentido, O Que Eu Mais Desejo torna-se um conto crepuscular, como se os adultos pudessem ver no espelho a falência de seus desejos mais antigos, relembrando-se com respeito daqueles anseios que a maturidade passa a interpretar como caprichos banais. A admiração incondicional do tempo que já passou é também um reconhecimento da frustração com o tempo presente – a modernidade, os trilhos, o trem bala -, o que acaba por rechear este bombom doce e colorido com um licor bastante amargo.