Se eu fosse ver Django Livre sem saber de sua ficha técnica, desconhecer o diretor, não ter visto os créditos iniciais, na saída, certamente eu teria pelo menos 90% de certeza de que se tratava de uma obra cinematográfica com a assinatura inconfundível de Quentin Tarantino. Ou de um exímio imitador. Tarantino está ali, escancarado e ao mesmo tempo surpreendente. A verdade é que, a cada filme dele que vejo, mais gosto de Tarantino. Foi impossível, à medida que o filme rodava, não lembrar de Bastardos Inglórios. Lá, usando como pano de fundo a 2ª Guerra Mundial, Tarantino criou uma ficção extraordinária, e todos nós torcemos muito para que aquilo ali tivesse acontecido de verdade! Não faltaram atuações magníficas - ele é mestre em tirar dos atores o máximo que cada um pode dar - suspense de primeira linha (as cenas do oficial da SS, naquela cantina obscura, desmascarando pouco a pouco os americanos, através, inicialmente, do sotaque alemão de um deles, é memorável), e violência, sim senhor, há muita violência nos filmes de Tarantino, mas justificáveis, basta ver o contexto das histórias. Em Django Livre, todos estes elementos estão presentes, mas em vez da guerra, ele recriou um personagem dos anos 60, o Django de Sergio Corbucci protagonizado por Franco Nero, um anti-herói por excelência, naquela onda do "western spaghetti" surgido na Itália e espalhado pelo mundo. Eu tive o prazer de ver este e outros filmes assim nos saudosos cinemas da rua da Praia, em Porto Alegre... Não me levem a mal, deu-me um ataque de nostalgia...
Desta vez, Django (protagonizado corretamente por Jamie Foxx) é um negro humilhado numa região do sul escravagista dos EUA, nos meados dos anos 1800. Algum tempo depois estouraria a guerra civil americana que colocaria em campos opostos o sul e o norte (se não viu, veja Lincoln, outro bom filme de Spielberg que trata do assunto sob o ponto de vista político). O caráter de Django, sua personalidade, sua obstinação, como vai se comportando e agindo desde que recebe ajuda do dr. Schultz (magistralmente interpretado por Cristoph Waltz), a parceria que faz com o meio dentista, meio escroque, caçador de recompensas, seu desejo de vingança e de encontrar sua mulher, tudo isto vai conduzindo a história tramada por Tarantino. A reconstituição da época, as belas paisagens, as demonstrações de extrema crueldade com que os negros eram tratados, formam um retrato
da sociedade sulista dos Estados Unidos do século XVIII. E se você, por acaso, é anti-americano, não
fique desdenhando o país por causa disto, lembre-se de que nós também tivemos escravatura...
Leonardo DiCaprio, outro queridinho de Tarantino e Samuel L. Jackson emprestam credibilidade aos seus
personagens, um como o milionário fazendeiro dono de muitos escravos e o outro como uma espécie de
mordomo "capacho", capaz de ser até mesmo mais cruel com os outros escravos do que mesmo seu patrão.
O clímax do filme ocorre na fazenda, muito suspense, há sempre algo no ar que pode acontecer a qualquer momento, a gente sabe que vai acontecer, o filme leva a pensar assim e a expectativa aumenta
a todo o instante. Típico de Tarantino.
Um belo filme, fotografia exemplar, vale a pena ver no DVD os extras da criação do enredo, da reconstituição de época, dos depoimentos, de como se constrói uma história com a meticulosidade que só mentes privilegiadas podem conceber.