Filme “A Outra Terra” e impasses existenciais
Marling, moça bela e jovem, bem como de futuro promissor por sua inteligência, estudante de astrofísica, estava numa festa bebendo com amigos, de tal modo que foi embora com seu carro e ao dirigir ouviu pelo rádio que astrônomos haviam descoberto um novo planeta, semelhante a Terra, e assim ficou olhando ao céu, enquanto estava ao volante. Assim, na distração acabou por colidir com outro veículo, onde toda uma família estava, e de tal feita vindo a matar os seus ocupantes, menos o pai de família, John, que sobreviveu mas ficou com a vida destruída, morando sozinho e tomando remédios, bem como bebidas alcoólicas, além de estar sem seu emprego. A adolescente foi ara a prisão por 4 anos (isso que é justiça...), e ao sair foi buscada pela família, sendo que estava também com o impasse existencial de não mais estudar e ser astronauta, tendo em seu quarto maquetes de planetas e fotos de telescópios espaciais, bem como envolta no assunto do momento: a “Outra Terra”, que haviam descoberto haver vida, e pessoas idênticas a nós, ou nós mesmos.
Outrossim, em Marling não havia mais a existência feliz, e ela buscava saber quem era o sobrevivente do acidente, procurando antes um emprego, e sendo faxineira, uma vez que não queria contato com as pessoas, queria sim ficar sozinha. Tentou assim se suicidar deitando seu belo corpo e cabelos dourados sobre a pálida neve, sem sucesso, uma vez que foi salva. Ela se via em um impasse existencial porque sua vida não fazia sentido, não tinha mais os amigos, nem o seu sonho de viajar ao espaço, apesar de tentar participar de uma viagem a outra Terra, em um concurso de redação. Isso lembra a minha pessoa, pois a única coisa que ganhei em concursos de redação foram livros, e isso me identificou a personagem. Mas ela tinha em seu trabalho um senhor amigo, parecendo um índio e cego, e disse que ele “se via em todos os lugares”, assim lhe ensinando os saberes de uma outra ótica. Lembra Sartre: “o outro é o inferno” e lembra Nietzsche, onde a massa se torna espécie de “moral de rebanho”, logo não boa ao super homem. E toda hora no filme vem uma voz em off comentando a situação do outro mundo, onde existem outras pessoas iguais a nós, comparando a outro eu que está em nosso interior, com o qual conversamos todo o dia sem perceber.
Mas que outro eu? Pensei de pronto já no Ego de Freud, bem como em alter ego, superego e assim por diante. Esse outro eu sempre está conosco, nos julgando, conversando quando falamos sozinhos, quando pensamos conosco mesmos. Outros eus dentro de nós, mas no mínimo um outro eu, uma outra Terra, onde moramos todos nós, onde temos uma vida paralela, mais feliz, mais próspera, ou pelo menos com outras possibilidades. No filme, esse planeta desponta no céu desfilando o seu azul, a todo o momento despertando as pessoas que querem o conhecer, quando não analisam filosoficamente seu próprio eu, sua ontologia, nesse impasse existencial. Nos leva a pensar na busca da ciência, pelo mundo exterior ao homem, com suas viagens espaciais, e na busca filosófica, que foi dentro do homem, em sua alma.
Mas a moça arrependida foi a casa de John, trabalhar como faxineira e descobre ainda alegria, em meio a tanta decepção e esse drama que vive. Alguns dias são bem estressantes e caóticos, mas no momento que ambos jogam vídeo game e sorriem, eis que corações se revelam mais leves, e que apesar da diferença de idade, e das perdas dele, a música começa a retornar a sua vida, em partitura de maior vitalidade. Nesse passo, após ele mostrar as habilidades de tocar um serrote como se fosse um violino, imitando voz de soprano de ópera, os dois caem em abraços e beijos calorosos e apaixonados, apesar de após o ato de amor, ele falar em ex-esposa e do acidente. A Marling assim vai ao banheiro vomitar, pois fez amor com o homem que ao mesmo tempo arruinou a vida, e pegou seu trem. Por outro lado, antes ela estava também feliz por descobrir que ia viajar a outra Terra, e realizar seu sonho de astronauta. Sua existência se vê novamente questionada e ela oferece o ingresso a John, este briga e quase a mata, ao descobrir que foi ela que ocasionou o acidente, e entre o amor e o ódio, ele opta pela indiferença, apesar de aceitar silenciosamente o ingresso oferecido por ela, treinando e viajando para o outro mundo, onde o tempo está atrasado 4 anos e alguns meses, época anterior a morte de sua esposa e filho, assim podendo os reencontrar.
A Outra Terra guarda um outro Eu e assim temos solucionado ambos os problemas existenciais, o dela, por restaurar seu crime, e o dele, por rever seus familiares. O filme assim reserva alguma lição, apesar de ser meio triste, e um drama legítimo. No final ela encontra seu outro eu, como em um espelho, ao andar próximo a garagem de sua casa, confirmando o que eu disse sobre o alter ego, e a possibilidade existencial que guardamos oculta em nosso inconsciente, e por consequência, a felicidade. Enfim, um outro mundo existe, de qualquer modo.
Mariano Soltys, autor de livro Filmes e Filosofia)