O filme tem uma série de pontos positivos que merecem ser citados. Pra começar, a brilhante ideia de rodar a produção em 16 mm, o que deixou o filme bastante granulado, com cara de anos 70. Boa sacada dos caras. A produção definitivamente está de parabéns: locações, figurino e maquiagem são perfeitos. A estrutura utilizada pelo roteirista W. Merritt Johnson também é bem interessante: ele foi bastante fiel aos fatos relatados por Linda em sua biografia (alguns diriam que foi fiel até demais, mas eu não achei isso ruim não), mas fragmentou o filme em fatos – puros e simples – e fatos do ponto de vista de Linda, que são, até certa altura do filme, imperceptíveis ao espectador. Uma construção bem pensada e inteligente, pois cria, de certa forma, um plot point que o filme não teria – como é comum nas cinebiografias (afinal, muita gente já vai ver o filme conhecendo a história, o que sempre cria um baita desafio para os produtores, roteiristas e diretores).
Seria injusto dizer que qualquer dos atores foi mais ou menos. Praticamente todo o elenco desempenhou um papel excelente na produção. Amanda Seyfried, que estava bastante acostumava a fazer papéis mais “bobinhos” e superficiais, como em "Cartas para Julieta", "Mamma mia!", e "Querido John", encarou com plena destreza a missão de interpretar uma personagem tão diferente e complexa. Sem contar que vê-la com cabelos e olhos castanhos é bem legal, causa uma estranheza inicial inevitável, mas termina com um “ah, até que ela ficou bem!”. O mesmo pode-se dizer de Peter Sarsgaard, que incorporou o importantíssimo papel de Chuck Traynor, marido de Linda e articulador de toda a sua carreira, que também mandou muito bem, e até da irreconhecível Sharon Stone (juro, irreconhecível!), que interpretou a mãe conservadora e religiosa de Linda, que a criou para sempre obedecer ao marido e, com isso (e sem perceber, é claro), acabou colaborando com o sofrimento da filha. Vocês vão ver por aí que o filme também conta com James Franco, no papel do milionário fundador da Playboy Hugh Hefner, mas a participação dele é tão curta que não dá pra contar muito – especialmente com tantas outras estrelas dando um show de atuação.
Onde é, então, que o filme peca? Na busca exagerada por tratar Linda com todo o respeito e consideração do mundo, ao invés de humanizá-la (que era, creio eu, a intenção), ele acaba se focando demais na vitimização da moça, tornando a produção um tanto simplista. De “uma mulher com uma história triste e muita coisa pra contar” eles transformaram Linda em “uma mera vítima de tudo e de todos”. É essa a imagem que ela passa durante o filme todo: a de vítima. E, bom, tudo bem que ela tem mesmo uma história supercomplicada, triste, sofrida e etc., etc. Mas ela também foi uma mulher forte e determinada – e, ao contrário do que o filme deixa a entender, não parou de fazer filmes pornôs logo após se separar de Traynor. A sensação que dá é que eles ficaram tão preocupados em fazer o público sentir pena dela que se esqueceram de mostrar o outro lado da própria protagonista – o de uma mulher que sofreu, sim, mas foi atrás de reverter a situação e, ainda, de mostrar ao mundo uma série de problemas que, até então, eram invisíveis aos olhos da população.
No fim das contas, "Lovelace" deixa a impressão de que foi um filme bom, mas poderia ter sido um pouco melhor. Não é, absolutamente, ruim. E vale, com certeza, a pena assistir. Mas falou um tanto pra chegar no mesmo nível que outras grandes cinebiografias que já vimos por aí (como "Ray" e "Frida").