A aura melancólica deixa claro, desde o primeiro instante, onde vemos Woody perdido nas ruas, caminhando para chegar até Nebraska, que aquele não será um filme de grandes arroubos dramáticos, ou emoções fortes. Há sim, uma grande carga emocional em todo o filme, mas ela nunca é o foco pois o que Alexander Payne quer retratar vai muito além, se aproxima de algo que poderia ser chamado de estudo familiar, porque acredito que estudo de personagem é bastante reducionista para o que podemos ver no filme.
Começando pelo personagem protagonista, que é corajoso. É um bêbado, esquece as coisas, supostamente não foi um bom pai, muito menos bom marido, e acima de tudo isso, faz com que nos compadeçamos de sua situação. Claro que pra que isso funcionasse, o papel do filho é importantíssimo. E o filme é sobre a relação de ambos. Dois seres humanos que foram criados de formas tão diferentes, mas que, acima de tudo, nutrem uma compaixão um com o outro. Afinal, são pai e filho. Tudo o que David faz por Woody não é nada menos que uma verdadeira prova de amor. E o que Woody quer fazer pro David, também.
O interessante é que o clima de road-movie que ronda boa parte do filme serve como uma escada para cada ator entregar uma performance exemplar. Bruce Dern dispensa comentários, e Will Forte emociona bastante. Já June Squibb praticamente rouba todas as cenas em que aparece. É impressionante, sua Kate é uma grande personagem. Saudosista e altruísta em seu interior, ela funciona como uma verdadeira figura materna tanto para os personagens, quanto para o espectador. É aquela mulher que acalenta, chama pra si, protege, que segura as colunas para não desabar em cima das cabeças, e sempre que aparece em cena, parece dominar cada situação como se já tivesse vivido aquilo muitas vezes. E algumas ela até viveu mesmo. Como uma mãe, de verdade, ela representa o porto-seguro daquela família, ou talvez seja a personificação do que ela até chega a dizer em algum momento: ‘será que eu sou a única pessoa sensata nessa família?’. Kate está lá, sempre pra defender, ou trazer as coisas de volta aos eixos da realidade - e pensar em sua falta é assustador. A atuação de Squibb, aliás, vai de encontro a tudo isso quando a atriz resolve adotar uma veia irreverente pra a sua composição, mesmo que mantenha uma impassividade atroz em meio a tudo o que está passando. Fica bem difícil não se apaixonar por tudo o que ela faz em cena.
Misturando momentos engraçados, com outros bastante melancólicos, Alexander Payne criou Nebraska, que é pra mim, seu melhor filme, de longe. Não que essas características não já estivessem em sua carreira, até porque estão (seu filme anterior, Os Descendentes, tem muito disso). Mas, aqui, ele acumula muitos acertos. Sem dúvidas, é o seu grande momento na direção até hoje. Tudo muito bem feito, o filme jamais se reduz à sua escolha fotográfica em preto & branco, por exemplo – ainda que ela acrescente bastante à trama – ou a sua incrível trilha-sonora, ou até a maravilhosa direção-de-arte (amo, sobretudo, a casa antiga de Woody, e as mãozinhas na parede). É desolador, ainda que reconfortante; engraçado, ainda que faça chorar; edificante e gratificante ao mesmo tempo; e revigorante, mesmo jogando várias verdades e temores na cara. O olhar de Nebraska sobre a classe média americana quer falar sobre envelhecimento, aceitação, ambição, teimosia... sentimentos opostos aqui e ali. E curiosamente, consegue. Com louvor.