O filme inicia de uma forma que é capaz de demonstrar prontamente a personalidade e originalidade do seu criador e, consequentemente, da sua história e o modo como ela nos será contada. Logo na primeira cena encontramos um casal incapaz de resolver a situação que se encontra, cada um intransigente quanto a sua decisão, precisando que seja determinada uma solução judicialmente, nos mostrando que a separação do casal é só o prelúdio dessa narrativa.
Ainda em referência a cena inicial, o expectador logo é deixado ciente de que a cultura, religião, estrutura social e outros aspectos serão quase personagens no desenvolvimento da história. Estamos no Irã, país que possui o Islã como religião oficial e que influencia todos os aspectos da vida privada e social. Igreja e Estado andam juntos. Assim, para conseguir se separar do marido Nader (Peyman Maadi), Simin (Leila Hatami) precisaria de sua concordância, o que não acontece pois isso significaria que ficaria longe de sua filha, Termeh (Sarina Farhadi), que acabaria partindo com a mãe.
Mesmo que as diversas diferenças culturais nos saltem aos olhos em diferentes momentos, Asghar Farhadi consegue através de seu roteiro simples, sensível e genuíno, afastar sua obra de uma representação estereotipada das personagens e das peculiaridades da sociedade iraniana. Nesse ponto, apesar de ser o temor constante da cuidadora Razieh (Sareh Bayat) de desobedecer aos dogmas de sua religião a força motriz dos principais conflitos da trama, a história trata fundamentalmente dos questionamentos presentes em todos seres humanos.
O diretor consegue captar a dualidade interna de todas as pessoas com perfeição através do desenvolvimento de seus personagens. Nos insere nas situações com enorme facilidade por meio um trabalho de câmera natural e intimista, como se no convidasse a espionar e simultaneamente socorrer essas famílias de seus problemas. Ele nos faz questionar o que vimos, o que sabemos, o que sentimos e o que temos como certo e errado, ao mesmo tempo que nos mostra a inexistência de uma única e definitiva maneira de agir e que o comportamento humano muitas vezes se encontra em áreas cinzentas onde o bem e o mal não podem ser delimitados e estáticos.
Por fim, não menos impressionante é a atuação do elenco. As crianças que se acham envolvidos nos conflitos dos pais transbordam na tela o sentimento inevitável de impotência e tristeza e os adultos nos fazem crer que tudo que estão vivendo poderia acontecer com qualquer um de nós, em especial o ator Peyman Maadi, que traz uma representação crua de um homem em conflito. Difícil encontrar falhas nesse filme que é uma obra-prima do cinema com um espírito provocador, sensível e acima de tudo, humano.
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