Apesar do péssimo título nacional - southpaw, na linguagem do esporte, refere-se à postura do lutador que posiciona sua mão direita à frente, geralmente um lutador canhoto - "Nocaute" conta o drama do lutador Billy Hope, invicto e atual campeão dos meio-médios do boxe que sofre um grande revés na vida ao perder a esposa e a guarda da filha, e acaba entrando em depressão. E a missão de contar essa grande história ficou nas mãos de Antoine Fuqua, diretor mais conhecido por um prematuro grande sucesso (Dia de Treinamento, 2001), em parceria com o roteirista e criador da série popular "Sons of Anarchy" Kurt Sutter. Outros talentos como Jake Gyllenhaal, Forrest Whitaker e Rachel McAdams se uniram ao projeto, atraindo todos os olhos do mundo cinéfilo para esta grande produção.
Nocaute é um filme sobre "coração". O drama esportivo pode ser considerado um dos subgêneros mais emocionantes da sétima arte. São vários os filmes que fizeram, ao subir dos créditos, mais lágrimas caírem do que se alguém cortasse uma plantação inteira de cebola. Só no boxe há vários exemplos: os clássicos Rocky (1976) (chorar assistindo Rocky é obrigação sim!) e Touro Indomável (1980); O Campeão (1979), Menina de Ouro (2004), A Luta Pela Esperança (2005), O Vencedor (2010)... Algo comum no gênero, os elementos que nos causam tal sentimento quase sempre são os mesmos. Geralmente, um lutador não é um ser humano comum, costumam ser personagens notáveis por sua bravura dentro do ringue, bem como a superação, pois muitas vezes passam por situações extremamente adversas na vida e precisam "lutar" contra tudo e contra todos e o destino, sim, é bem comum o drama esportivo acreditar na fatalidade, na tragédia, no acaso, para que o protagonista possa cumprir uma missão predeterminada na vida.
É claro que todos esses elementos combinados podem nos dar a sensação de já termos visto algo bem parecido em outros filmes, o que popularmente chamamos de "clichê". Uma história totalmente original ou uma reversão dos elementos do gênero tem uma capacidade enorme de nos deixar boquiabertos e surpresos o que é muito bom mas nem todo clichê é ruim, se bem empregado ou combinado com outros elementos que façam o espectador "suspender a descrença" durante o filme. Há exemplos no esporte que poderiam facilmente ter virado filmes dinos de Oscar. Alguns deles, a revanche entre Frankie Edgar e Gray Maynard pelo UFC 125 em 2011, ou o combate entre Anderson
Silva e Chael Sonnen pelo UFC 117. Duas lutas épicas, com reviravoltas e desfechos tão espetaculares que, se houvessem acontecido em um filme, seriam consideradas improváveis e até clichês. Recomendo que assistam essas lutas para terem outra visão
sobre o assunto.
Falando agora do filme, não é novidade que os clichês do gênero estão muito presentes sim. De início, somos apresentados aos principais personagens. Billy Hope - confesso que acho muito brega esses nomes pouco sutis que os filmes norte-americanos usam, como este, já que "hope" quer dizer esperança em inglês -, sua esposa Maureen (Rachel McAdams) e seu agente Jordan (50 Cent). Não precisamos de muito tempo e explicação para perceber exatamente as principais características de cada personagem, seja por suas atitudes, por suas vestimentas ou por suas falas, e isso é muito bom. A direção de Fuqua nos coloca quase que imediatamente dentro da luta. Os closes e sincronismo da ação são obras de uma cinematografia impressionante, muito bem executados e detalhados com o auxílio do diretor de fotografia. Posteriormente, entram em cena sua filha Leila (Oona Laurence) e seu futuro treinador Tick Wills (interpretado muito bem pelo sempre competente Forrest Whitaker, embora "will" em inglês signifique força de vontade, lembram o que eu disse sobre nomes?).
Nocaute tem alguns problemas já no seu início, onde a mão pesada de Fuqua na direção deixa o filme exagerado e sempre um tom acima, seja na relação familiar de Billy com sua esposa e filha, as provocações do rival Miguel Escobar (Miguel Gomez), e algumas cenas soltas (toda a ostentação da familia Hope e o evento beneficente) que culminam no evento trágico conhecido como primeiro ponto de virada, a morte de sua esposa. Toda essa introdução bem exagerada soa um tanto artificial e bizarra - lembrando outro filme criticado pelo mesmo motivo, "Um Domingo Qualquer" (1999) - embora tais eventos fossem necessários para que a vida de Billy chegasse ao fundo do poço e Jake desse início a mais uma atuação monstruosa na carreira. A impressionante transformação física de Gyllenhaal e sua dedicada interpretação vêm para coroar a grande fase de um ator que eu defendo ser um dos melhores dos últimos 10, 15 anos. Embora ainda seja prematura qualquer especulação, imagino que uma indicação ao Oscar esteja ao seu alcance mais uma vez, pois o filme faz o suficiente para sustentar a indicação.
Apesar do roteiro, enquanto acompanhamos a degradação da vida de Billy, vale muito a pena reparar em outros aspectos do filme, que combinam muito bem. A trilha do recém falecido James Horner (Titanic, Coração Valente) consegue tocar a emoção do espectador com as melodias pontuando precisamente com as imagens e a fotografia de Mauro Fiore (Avatar) é uma das melhores do ano. As atuações do elenco, especialmente Jake e Forrest, são cheias de vigor e coração, características que todo grande lutador deve ter. O filme demora a engrenar, mas consegue. Poderia ter sido um filme muito melhor, é verdade e até usarei de um clichê para descrever o que poderia ter sido feito: menos é mais. Lição simples, mas que muitos cineastas ainda não aprenderam.
Portanto, o filme realmente funciona porque é um melodrama que não tem vergonha em se assumir como tal - a direção de Fuqua chega a surpreender de tão boa em relação aos seus últimos trabalhos, mas o roteiro é brega, impedindo que o filme se leve mais a sério. Partindo do princípio que o espectador se deixe envolver pela história, o filme prende a atenção e tem capacidade de emocionar a platéia. O resultado de tudo isso é um guilty pleasure fantástico, ou para que não conhece o termo, um maravilhoso filme ruim, que vale a pena ser visto.