Todos amam um vencedor
por Bruno CarmeloO boxeador Billy Hope (Jake Gyllenhaal) está no ápice de sua carreira, invicto há 43 lutas. As coisas que ele mais ama na vida são o esporte, a esposa (Rachel McAdams), a filha e sua fortuna. De repente, o roteiro perverso de Nocaute decide retirar, de uma vez só, todos estes elementos. Billy é banido do esporte, a esposa morre, a filha não quer mais vê-lo, o dinheiro se esgota. Ele vai do topo ao fundo do poço, apenas para lutar, literalmente e simbolicamente, pelo retorno à liderança.
Nocaute funciona como uma gangorra de extremos, um filme americaníssimo em sua essência. Defende-se o individualismo, a meritocracia (“com esforço, qualquer um pode ser o melhor”), o mito do self-made man, a terra dos homens corajosos e livres. O destino pune Billy por sua arrogância, e logo o talentoso bilionário está literalmente esfregando privadas numa pequena academia de boxe para sobreviver – lavar latrinas sempre foi o símbolo mais tradicional de rebaixamento moral aos olhos de um americano. Ele precisa provar o seu valor para se tornar um herói, um mártir, alguém ainda mais digno porque experimentou a dor e a perda.
Estamos muito perto de um filme cristão sobre os ensinamentos do perdão, do arrependimento, do valor da família. Ao invés de um padre, entra em cena outra figura anciã, experiente e caridosa, interpretada por Forest Whitaker. Este outro mártir (que perdeu um olho lutando) ensina ao riquinho o valor da humildade e do trabalho duro – com direito a uma cena de treinamento copiada de Rocky, mas que de fato lembra um comercial de produtos esportivos. Os filmes de boxe já se tornaram um gênero à parte em Hollywood, no entanto Nocaute surpreende por usar o esporte tão típico de seu país para explorar, à exaustão, as ferramentas emocionais do melodrama.
O diretor Antoine Fuqua, conhecido por filmes de ação brutais, mantém uma imagem agressiva: a câmera está sempre tremendo a poucos centímetros do corpo e do rosto dos personagens. A montagem frenética, a trilha hip hop e a fotografia cinzenta conferem um ar gangsta e viril ao conjunto. Mas tamanha “atitude” é combinada com dezenas de cenas lacrimosas sobre o fracasso de Billy, sobre a tristeza do homem abandonado por todos e humilhado em público. O resultado é uma estranha mistura entre o subversivo (a linguagem das ruas, do hip hop, do enfrentamento ao sistema) com algo moralista por excelência (os dogmas religiosos da fé e do perdão). Nocaute é um coroinha vestido de rapper.
Falou-se muito sobre os atores, e de fato a transformação física é impressionante. Jake Gyllenhaal, Rachel McAdams e Naomie Harris são atores competentes e comprometidos, embora fiquem presos à “atuação espetáculo” imposta pela direção: pouco importam os silêncios, os pequenos gestos, as emoções. Fuqua busca retratar o sangue escorrendo no rosto, as lágrimas e o suor na pele de Gyllenhaal, a roupa extremamente justa de McAdams. Estamos no território do corpo como performance: o diretor exige muito mais dos músculos do ator e das curvas da atriz do que de seus talentos dramáticos.
Atenção, possíveis spoilers abaixo!
Pode-se dizer que Nocaute funciona dentro da previsibilidade a que se propõe. O final é aquele esperado dele, garantindo ao espectador a recompensa de ver o retorno do pobre coitado por quem torcemos durante duas horas. É um produto convencional, linear, claramente pensado em termos de comunicação com o público médio. Não apresenta nenhum refinamento de narrativa, mas também não parece possuir essa pretensão. Para quem gosta de um bom “filme para chorar”, o remédio tem efeito garantido.