“O Mordomo da Casa Branca”, filme dirigido por Lee Daniels, é uma obra muito clara em suas intenções – apesar de, em alguns momentos, o diretor forçar a barra para enfatizar a sua mensagem principal. Porém, por trás do retrato de acontecimentos importantes da história recente dos Estados Unidos, como a luta pelos movimentos dos direitos civis norte-americano, a Guerra do Vietnã e o Partido dos Panteras Negras; nós temos um relato sobre a natureza de uma relação entre um pai e seu filho.
Cecil Gaines (Forest Whitaker) é o produto dos Estados Unidos escravocrata, nos Estados do Sul, que viu seu pai ser assassinado na sua frente pelo truculento “homem branco” e que passou a sua vida inteira servindo os outros. É o desejo dele de ter uma vida mais digna que o leva a ir progredindo profissionalmente, com as limitações que lhe são impostas, ao ponto de ele se doar também para proporcionar à sua família uma vida confortável.
Seu filho mais velho, Louis Gaines (David Oyelowo) é o produto dos Estados Unidos que estava acordando, nos anos 60, com a luta pelos direitos civis, quando os negros, por meio da resistência civil não-violenta, aspiravam ao alcance da mudança e da igualdade dentro do seu próprio país. Neste sentido, uma frase dita por Cecil é muito emblemática e forte, ao ilustrar essa situação: “os Estados Unidos sempre foram cegos em relação ao que fazem aos seus próprios habitantes. Nós olhamos para o resto do mundo e julgamos. Nós vemos o que acontece nos campos de concentração, mas não reconhecemos o fato de que esses mesmos campos aconteceram por quase 200 anos aqui no nosso país”.
Assim como seu filho, que nasceu em uma sociedade opressora e cruel com os seus iguais, Cecil, de uma certa maneira, também viveu uma realidade oprimida. Apesar de ter uma profissão, ele foi treinado para ser subserviente e para esquecer os seus próprios pensamentos em prol da dedicação e da confiança que devota ao seu patrão (o filme enfoca, principalmente, o período em que ele esteve no olho do furacão, servindo oito presidentes dos Estados Unidos na Casa Branca). Cecil tem uma ética tão grande em torno daquilo que faz que o grande ponto de “O Mordomo da Casa Branca” é a sua transformação, quando ele passa a enxergar aquilo que ele é de verdade dentro do principal símbolo da democracia norte-americana.
Portanto, mais do que uma crônica sobre a história de superação dos negros dentro dos Estados Unidos, “O Mordomo da Casa Branca” é, ao mesmo tempo, o relato sobre uma terra em que tudo é possível. O filme começa, em 1926, com os negros sendo escravizados e tratados como um nada; e termina com a virada, com a eleição de Barack Obama – o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. É um final épico, típico de Hollywood, para um filme que desperdiça o seu potencial crítico sobre um tema que, infelizmente, continua a ser atemporal, pois, enquanto existir a intolerância, o preconceito e o desrespeito, essa história ainda não terminou.