História para estrangeiro ver
por Francisco RussoAung San Suu Kyi ganhou os holofotes da mídia ao receber o Prêmio Nobel da Paz, em 1991. Não ela propriamente, pois na época já cumpria prisão domiciliar e estava inacessível a quase todos, mas seus esforços pela democratização da Birmânia, seu país natal. Quase duas décadas depois, em 2010, ela enfim foi libertada e voltou às manchetes. Aproveitando a mídia gerada pelo fato, o diretor Luc Besson correu para preparar uma cinebiografia. Menos de um ano depois, Além da Liberdade tinha sua primeira exibição no Festival de Toronto trazendo como mote principal a denúncia. Só que cometendo um erro grave para filmes do gênero: a superficialidade.
A trama começa com um flashback da época em que Aung ainda era criança, em tom de fábula. Era uma vez um país próspero e muito bonito, repleto de verde por todos os lados e que tinha tudo para prosperar, até que um dia vieram os homens maus e destruíram o sonho. É assim, num tom idílico quebrado pelo som das armas de fogo, que o pai dela é morto e a Birmânia cai em mãos erradas. Salto no tempo e Aung (Michelle Yeoh, correta) já surge adulta, casada e mãe de dois filhos, vivendo na Inglaterra. O elo com o país natal é mantido através da publicação de livros e a busca por notícias sobre o que acontece lá. Quando é informada que sua mãe está internada no hospital, ela retorna ao país. Horrorizada com a violência da ditadura local, ela resolve ficar e lutar pela democracia.
A primeira questão levantada sobre a história de Aung é o porquê dela ser tão admirada assim que retorna ao país. Por mais que haja uma reverência à importância do pai dela na história da Birmânia, esta nunca é transferida automaticamente da forma como o filme insinua. Em questão de poucos dias, vários são aqueles que a procuram pedindo apoio sem que haja qualquer explicação do porquê de tamanha romaria. Posteriormente Aung faz jus a tamanha importância, pregando a não violência na defesa de ideais democráticos, mas até então nada havia feito neste sentido. Há uma lacuna nítida neste trecho, incômoda demais para um filme que tenta contar a verdade sobre sua vida.
É assim, omitindo ou simplificando fatos, que Além da Liberdade narra a vida de Aung. Sempre colocando-a como vítima – em certos momentos de forma até correta, perante os abusos por ela sofridos – e apresentando o inimigo, leia-se a ditadura militar, com tons de caricatura. Afinal, por mais que o ditador birmanês seja supersticioso, a insistência em mostrar suas crendices, deixando de lado suas demais características, tem por objetivo claro ridicularizá-lo sob o olhar ocidental, que o vê como mais um elemento exótico de um país cuja realidade é bem distante da sua.
Outro ponto falho do filme é sua tendência para o melodrama. Há uma supervalorização excessiva na questão da família, numa tentativa de tornar a história de certa forma pessoal para o espectador. Sim, pois se tudo é exótico e distante do seu mundo, a dor de ficar longe do marido e dos filhos pode ser sentida em qualquer parte do planeta. Então dá-lhe cena com os filhos crianções sentindo falta da mãe ou de Aung e seu marido Michael (David Thewlis, bem) lamentando um estar longe do outro. A luta ideológica, apesar de jamais sair de cena, acaba cedendo um bom espaço no decorrer de longos 132 minutos.
Além da Liberdade tem sua utilidade pelo lado da informação, por usar um veículo poderoso como o cinema para divulgar a história de Aung San Suu Kyi. Por outro lado, o filme passa também a sensação de manipular a história para obter a simpatia do público a uma causa que, por si só, era fácil de ganhar adeptos. Falta ao filme a veracidade de quem está disposto a mostrar o que é realmente a Birmânia, com seus costumes e modo de vida, ao invés de simplesmente contar a história através de estereótipos. Neste ponto a culpa não é de nem de Luc Besson, mas de quem o colocou na posição de diretor, já que seu olhar estrangeiro é fundamental para boa parte dos defeitos do filme.
Entretanto, já nos créditos finais do filme, vem a luz sobre o porquê de tantos problemas. Um apelo para que a história de Aung San Suu Kyi seja divulgada da maneira como for possível, para ajudar sua luta na Birmânia. Já que é para seguir a ideologia da divulgação a qualquer custo, Além da Liberdade cumpre sua função de mera propaganda. Mas está longe de ser cinema de qualidade.