O prazer da vitória
por Francisco RussoPode parecer estranho para a juventude de hoje, mas houve um tempo em que não havia videogame nem telefone celular – internet, então, nem pensar! As maravilhas da vida moderna são relativamente recentes, tendo se popularizado da década de 80 para cá. Antes disto, ser criança era quase sinônimo de passar o dia na rua. Seja jogando bafo ou bola de gude, pulando amarelinha ou subindo nas árvores, era comum viver ao ar livre, ao invés de enclausurado nos playgrounds. A Guerra dos Botões traz de volta esta época, assim como fez o brasileiro Menino Maluquinho na década passada. Ambos são filmes de certa forma saudosistas, que chamam a atenção pela ideologia e ingenuidade de uma época aparentemente perdida no tempo e no cinismo dos dias atuais.
Situado na França dos anos 60, A Guerra dos Botões traz a história dos Longevernes, um grupo de garotos da aldeia homônima que mantém uma rivalidade tradicional com os Velrans, de uma aldeia vizinha. É a velha guerra de gangues, recauchutada para o ambiente retratado e ampliada por sua manutenção através de gerações. O atual líder dos Longevernes é Lebrac (Vincent Bres, convincente), exemplo de coragem para seus companheiros, que precisa ainda lidar com problemas em casa e na escola. É ele também que banca a permanência de Lanterna (Salomé Lemire), uma garota – sacrilégio!, dizem alguns integrantes -, apostando em seu valor para o grupo e deixando de lado preconceitos do tipo menina não entra, no melhor estilo clube do Bolinha.
É através das batalhas entre Longevernes e Velrans que o diretor Yann Samuell situa, pouco a pouco, um universo infantil ao mesmo tempo ingênuo para os dias de hoje, mas também sem se prender ao politicamente correto. As crianças de ambos os grupos falam palavrão, mesmo que não entendam bem seu significado. Há uma enorme rivalidade entre eles, que os impulsiona a promover tocaias e partir para a briga, mas ao mesmo tempo existe uma certa ética que os impede de humilhar uns aos outros. Ou melhor, até humilham, mas dentro de uma lógica própria. O melhor exemplo disto é o que acontece quando os Longevernes fazem um prisioneiro. A grande conquista, o meio que usam para acabar com a moral do capturado, é simplesmente arrancar os botões de sua camisa. Por que? Pois assim o garoto em questão receberá uma tremenda bronca – e possivelmente uma surra – de seus pais. A glória de tê-lo capturado e imposto tamanha situação é o suficiente para aplacar o ego da vitória.
Com um elenco infantil selecionado a dedo, com destaque para o carisma do pequeno Gibusinho (Tristan Vichard) e a caricatura malvada do inimigo Asteca (Théo Bertrand), A Guerra dos Botões é um filme que diverte pela ambientação retratada e também pela rivalidade ética existente entre Longevernes e Velrans. Uma situação que vem do passado, como demonstram as divertidas cenas de confronto entre os agora professores Merlin (Eric Elmosnino) e Labru (Alain Chabat). Destaque também para as curiosas animações exibidas ao longo dos créditos finais. Bom filme.