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    Um Homem Comum
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Um Homem Comum

    Lolita e o ditador

    por Bruno Carmelo

    Neste drama, o protagonista interpretado por Ben Kingsley constitui não apenas um criminoso de guerra perigosíssimo, e sim o mais astuto de todos – “o único que nunca foi levado à justiça”, de acordo com os letreiros iniciais. O general sem nome precisa ser ao mesmo tempo um tipo discreto em seu esconderijo, mas expansivo e malicioso com os demais; violento no combate, mas envelhecido e capaz de demonstrar compaixão pela empregada doméstica; aparentemente calado, mas tagarela assim que se encontra em local seguro. Não é difícil compreender porque o ator britânico aceitou o papel repleto de contradições.

    No entanto, o diretor Brad Silberling insiste em tratá-lo como um sujeito de natureza perversa, sublinhando seu cinismo e vaidade. O general se orgulha do genocídio praticado supostamente em nome da pátria, de modo que não pretende ficar preso em casa, escondido. Ele quer ser visto, reconhecido e comemorado pelos conterrâneos. Por isso, o jogo entre se proteger e se expor produz uma bela dualidade, como se o protagonista buscasse, afinal, ser capturado no intuito de receber a atenção midiática desejada. A chegada de uma empregada em sua casa, Tanja (Hera Hilmar), serve de distração para o senhor idoso, que pretende demonstrar seu lado paterno, autoritário, conquistador e machista ao mesmo tempo.

    Por trás de sua simplicidade, Um Homem Comum é um projeto arriscado. A estrutura teatral, com dois personagens conduzindo toda a narrativa através de diálogos, permite o olhar intimista à guerra, acomodando-se às restrições da modesta produção. No entanto, a limitação dos personagens a arquétipos – ele, a figura masculina predatória, ela, a menina ingênua e submissa – não escapa a certo fetiche romântico da época pré-movimentos MeToo e Time’s Up, em que o cinema e a sociedade permitiam relações de gênero ambíguas sem questionamento. Mesmo que a narrativa insista em tratar o general como um homem carismático, é compreensível que a abordagem de seu histórico sem a devida crítica política soe, no mínimo, condescendente.

    Cenas como o strip-tease de Tanja para o general (e para o público) ou o interrogatório do militar (“Onde você menstruou pela primeira vez?”) resgatam um discurso cinematográfico anacrônico. Mesmo que o roteiro tente dar mais força e atitude à garota, ela permanece frágil nos momentos cruciais, e inferior ao general rumo ao desfecho. Ou seja, o drama ainda observa as relações entre homens e mulheres com um olhar de décadas atrás, remetendo às décadas de 1980 e começo dos anos 1990, com suas imagens clichês de criminosos sendo barbeados com lâminas afiadas – a mulher teria coragem de matá-lo? – e frases de efeito do tipo “Um homem precisa de empregada”.

    Ben Kingsley é um ator cujo talento não precisa ser provado a mais ninguém. Entretanto, a direção e a montagem privilegiam momentos de uma brutalidade quase caricatural. Hera Hilmar, por sua vez, possui uma composição tão simples que se torna ainda mais infantil perto do homem perigoso. Ela constitui basicamente um ratinho selecionado para satisfazer o apetite da cobra, algo demonstrado à exaustão pelos diálogos. Enquanto Kingsley ostenta um estranho sotaque dos Bálcãs, Hilmar possui um sotaque britânico cristalino, ainda que ambos os personagens venham da mesma região. Tanja e o general parecem não existir na mesma época, nem na mesma geografia. Essa estranheza valoriza o duelo de opostos, porém prejudica a verossimilhança do relacionamento.

    A direção insiste em reduzir os espaços, apostar em planos e contraplanos, iluminação atmosférica e falsa, e avenidas estranhamente vazias, remetendo a cenários artificiais. Alguns acontecimentos convenientes, envolvendo uma ambulância e um bonde, tratam de aproximar a história das fábulas. Talvez a intenção tenha sido opor duas forças contrárias de modo a equilibrá-las e fazer com que aprendam umas com as outras – a menina se fortaleceria, o ditador mostraria seu lado humano – mas a narrativa apenas reforça o homem enquanto mitologia, virilidade e força, enquanto a mocinha ganha um desfecho pouco valorativo. Siberling enxerga a complexidade de seu anti-herói, mas não consegue deixar de admirá-lo.

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