Conhecendo o cinema de Michael Haneke razoavelmente bem, preparei-me para “Amour” como quem se prepara para uma maratona de Ingmar Bergman. Amour é, afinal de contas, um filme sobre o amor, mas também sobre a morte feito por um homem profundamente pessimista e/ou ou realista e responsável por alguns dos filmes mais desconfortavelmente agonizantes alguma vez realizados. A primeira metade do filme podemos considerar que estamos a assistir a um thriller, daqueles filmados num único espaço, neste caso no apartamento de um velho casal. Temos uma morte, polícia, sinais de uma invasão e finalmente um ataque que deixa uma idosa incapacitada. Seria a morte o assaltante?
Michael Haneke ofusca-nos, como de resto já nos tem vindo a habituar, os sentidos com choques carnais, como na imagem em que Emmanuelle Riva, de 85 anos de idade, aparece nua, num momento em que é lavada por uma enfermeira enquanto grita pela mãe como uma criança. O amor imenso, sofrido e desesperado de Jean-Louis Trintignant é um dos aspectos que mais são realçados por Michael Haneke, que consegue balancear, de forma mágnifica, o tormento e a ternura num filme profundamente triste, que se torna ainda mais negro quando é acompanhado da valsa estranha que o casal partilha diariamente.
Outro aspecto importantíssimo que Michael Haneke transmite no filme é a solidão, apenas três pessoas (sem ser familiares) visitam o apartamento: Um ex-aluno de Anne, agora um pianista famoso, que mais tarde enviara uma carta a agradecer o “momento triste e lindo” que haviam partilhado naquela noite, noite em que Anne ainda conseguia falar, mas que já estava confinada à cadeira de rodas, e ainda um casal de vizinhos (presença de Rita Blanco) que os ajudam em pequenas tarefas. Em qualquer um dos casos, Michael Haneke captura um sentimento que permeia o nosso estado de espírito e, em vez de nos punir por isso – estes visitantes, afinal de contas, querem apenas ajudar -, coloca-o simplesmente na tela, permitindo-nos digerir e ultrapassar as nossas noções de “coragem” ou “beleza”.
Michael Haneke consegue com Amour um equilíbrio entre pessimismo e optimismo, criando algo que disseca conceitos tão amplos como a morte e o amor.