Acho que muitos filmes trazem em seu título a chave para sua compreensão. Sob a Pele é um deles. Afinal, o que nós humanos do planeta Terra somos embaixo de nossas peles, de nossa aparência física, de nossos corpos? A alienígena vivida por Scarlett Johansson vai descobrir isso, aos poucos. Vestindo uma roupagem humana, bela e atraente, ela seduz homens jovens, sedentos por sexo, para uma armadilha. São as vítimas do "quarto escuro" - cenas de construção visual indescritível e que só iremos compreender completamente lá pela metade do filme. Eles não serão mortos num primeiro momento, mas ficarão presos, como que congelados, até que suas entranhas, se decomponham, e reste de seus corpos somente suas peles. Que talvez sejam usadas para "vestir" outros alienígenas. Talvez. Porque Sob a Pele é um filme que dá pouca informação, muita sugestão, e deixa várias perguntas no ar.
Se você se incomoda com filmes pouco ortodoxos, tudo bem. Mas a proposta do filme de Jonathan Glazer, mais do que contar uma história é propor um experimento visual, sensorial e filosófico. A alienígena vivida por Scarlett Johansson é num primeiro momento como que uma vampira sem dó nem piedade, que não deseja o sangue de suas vítimas, mas seus corpos. Aos poucos ela irá observar e captar a riqueza e a variedade humana do planeta, e vivenciar os atos de bondade, solidariedade, compaixão e gentileza de que um humano é capaz, sem no princípio compreendê-los ou lhes dar valor.
"Vestida" num corpo humano, ela tentará compreender e experimentar o que é sorrir, chorar, se deliciar com uma fatia de bolo de chocolate. Quando ela encontra em seu caminho um jovem com uma doença degenerativa que lhe desfigura o rosto, um sentimento humano de compaixão a faz libertá-lo. Cansada de ser uma predadora de homens, ela foge, se escondendo na floresta, onde seu parceiro alienígena não poderá encontrá-la. Mas lá, agora frágil por esta porção humana que se apoderou dela, ela irá conhecer o outro lado do ser humano, o lado obscuro, egoísta, abusivo, violento, ignorante e intolerante, que irá cruzar o seu caminho na figura do último homem com quem ela fará contato neste planeta. Descobrindo agora o sofrimento pelo qual um humano pode passar, ela irá decidir se despir desta pele humana.
Sob a Pele é, sim, um filme de ficção científica. Mas menos interessado em nos bombardear com efeitos especiais mirabolantes, e mais interessado em descobrir a nós mesmos através do olhar do outro, no caso, uma alienígena de passagem pela Terra. O filme fez furor quando exibido no Festival de Cannes ano passado, por apresentar cenas de nudez da atriz Scarllett Johansson, razão pela qual ficou famoso e passou a atrair a atenção do público. Mas quem for assisti-lo por esta única razão ficará decepcionado. Este é um estranho filme onde há mortes, mas não há sangue - e pouca violência - e onde há muita nudez, mas nenhuma cena de sexo. Sob a Pele é um filme elegante, de belas imagens, quase de sonho, que comprovam o talento e bom gosto do diretor Jonathan Glazer. Além de uma convincente atuação de Scarlett Johansson, Sob a Pele tem em seus pontos altos a trilha sonora de Mica Levi , que ajuda em muito a criar o clima do filme.
Por sua proposta ousada e sua originalidade na linha narrativa e construção das cenas, o filme infelizmente irá agradar a poucos. Sob a Pele se enquadra na categoria de filmes cult, que uma pequena legião de fãs irá ver e rever, desconstruindo e decifrando seus significados visuais. Se você não estiver disposto a este tipo de interação com um filme, poderá de igual maneira apreciá-lo, porque além de sua aparente estranheza, Sob a Pele não é tão radical quanto o recente Upstream Color ou tão hermético quanto os filmes de David Lynch. Tudo pode ser dito a respeito desse filme, menos que seja comum. Sua bela e estranha atmosfera faz com que ele fique em nossa memória dias depois de o termos assistido, o que não deixa de ser um grande elogio em comparação com a maioria dos filmes banais que chegam às telas dos cinemas hoje em dia.