O prólogo didático que abre Depois da Terra (After Earth) explica que, no futuro, a humanidade vive num outro planeta, caçada por uma raça alienígena bestial que fareja o medo dos terráqueos. O lendário general Cypher Raige (Will Smith) aprendeu a não ter medo - o que o torna invisível aos aliens - mas seu filho de 13 anos, Kitai (Jaden Smith), não tem o mesmo autocontrole.
Quando a nave dos dois cai na Terra, à mercê de mudanças climáticas extremas e espécies predadoras, cabe a Kitai aprender a dominar seu medo. Treinar a mente para se impor sobre o mundo físico é o preceito de frente da Cientologia - aquele que, por se confundir com a auto-ajuda, mais serve para atrair novos adeptos - e Depois da Terra transpira a religião do começo (a hierarquia em rankings, as "entrevistas" do pai com o filho) ao fim (o vulcão, que simboliza as tempestuosidades do mundo, era uma imagem cara ao criador da Cientologia, L. Ron Hubbard).
Mas com exceção de uma cena específica - o pai, inutilizado com as duas pernas quebradas, se recusa a tomar um analgésico, pois os efeitos colaterais o impediriam de guiar seu filho - que ecoa a perigosa oposição da Cientologia à farmacologia estabelecida do século 20, não há nada em Depois da Terra que seja acintosamente dogmático. Mesmo porque as duas premissas do filme - dominar o medo e alcançar o pai - estão aí se repetindo na ficção há séculos, muito antes de Hubbard ter nascido.
Em entrevistas, Will Smith, cientologista inconfesso, diz que fez Depois da Terra (seu primeiro crédito como argumentista no cinema) para ensinar seu filho Jaden a sobreviver sozinho em Hollywood. Cada um com suas egomanias... A questão é que o filme se ressente desse peso dado ao filho; Jaden tem lampejos de atuação, em alguns momentos convence mas em outros sua falta de treinamento de ator fica visível. Já Will Smith, que encontra um tom de interpretação ideal para o seu personagem, entre a frieza e a "quase emotividade", tem uma das melhores atuações de sua carreira - o que acaba evidenciando mais as deficiências do filho.
E então começa a ficar claro que há uma dissonância, nos filmes do diretor M. Night Shyamalan desde Fim dos Tempos, entre o que o cineasta propõe, em termos de experiência sensorial, e o que seus atores conseguem ver e transmitir. Com o tempo, os longas de Shyamalan não têm perdido apenas o senso de humor - eles têm jogado sobre os ombros dos atores, cada vez mais, o fardo de conduzir o espectador por universos ultrassensíveis (sentir o invisível no ar que mata em Fim dos Tempos, achar a paz do zenbudismo em O Último Mestre do Ar, dominar os sentidos em Depois da Terra). É um projeto ambicioso de cinema, embora não pareça, e que infelizmente resulta incompleto, filme após filme.
Desses três últimos longas, Depois da Terra (que ironicamente é o que tem mais o perfil de projeto de encomenda) talvez seja o mais satisfatório, porque as inseguranças de Jaden, ressaltadas pelos close-ups constantes, combinam com o arco do personagem. Além disso, as ameaças do mundo ultrassensível fluem melhor num contexto de suspense spielberguiano de um filme como Depois da Terra (Shyamalan sempre soube jogar bem com o nosso medo do que pode haver no extracampo, e desta vez, numa Terra selvagem, ameaças não faltam) do que numa aventura supostamente infantil como a adaptação de Avatar.
Agora, identificar o que torna esses filmes incompletos é o verdadeiro desafio. Sem dúvida, Shyamalan tem tateado um novo caminho, um tipo de cinema mais arrojado, que pode ser frustrante porque não aceita meios termos, "meios sucessos". Convencionou-se dizer na mídia que os filmes do cineasta deixaram de funcionar quando a fórmula da reviravolta final se esgotou. Talvez seja o caso de reexaminar nossos conceitos do que significa "funcionar".