Um dos filmes mais atemporais da história do cinema, o Show de Truman flerta com várias questões sociais importantes ao mesmo tempo: flerta com a filosofia e, em especial, com o Mito da Caverna; com George Orwell e seu clássico 1984; flerta com os reality shows que surgiram pouco depois; flerta ainda, com a sociedade contemporânea, de forma geral.
Mas não é apenas o moral da história que se destaca nesta obra. O diretor Peter Weir mostra que seu grande trabalho em Sociedade dos Poetas Mortos não foi um acaso. Outro grande destaque trata-se do ator principal, Jim Carrey, que prova que seu talento vai muito além dos seus improvisos e atuações engraçadas nos filmes de comédia.
Truman Burbank é uma pessoa comum à primeira vista. Casado, vendedor de seguros, leva uma vida rotineira mas feliz, onde trata e é tratado por todos com muito respeito e educação. Seria um verdadeiro pacato cidadão gente boa, não fosse pelo fato de, na realidade, tratar-se de um astro de um programa de TV (Show de Truman). Truman foi vendido a uma empresa de entretenimento, que criou um programa televisivo para transmitir a vida de uma pessoa comum, com o objetivo de “inspirar e alegrar” os telespectadores, nas palavras de seu criador, Christof, interpretado por Ed Harris. Embora esta situação ocorra desde seu nascimento, ele não faz ideia da realidade.
O programa de TV transmite a vida do astro 24 horas por dia, e é um enorme sucesso de audiência. Todas as pessoas que surgem na vida dele são figurinistas ou coadjuvantes da obra. O merchandising ocorre a todo o momento, e todas as decisões, circunstâncias e caminhos tomados durante sua vida, como amizades e casamento, foram devidamente arquitetados pela direção do programa. O mais chocante de todos é a morte forjada do pai, que serviu para criar em Truman um forte trauma do mar, e assim impossibilitá-lo de sair da ilha que habita. Ilha esta, criada artificialmente para ambientar o espetáculo.
Como nada é perfeito, algumas falhas da produção ocorrem vez ou outra: um refletor que cai do céu, a chuva que só cai em cima dele, intrusos que burlam a segurança para tentar avisar Truman sobre o que se passa. Nada disso, no entanto, havia sido suficiente para desaliená-lo, até o momento em que seu próprio pai aparece e tenta falar com ele, mas logo é afastado por uma série de ocorrências arquitetadas que o levam pra longe. A partir desse momento, Truman começa a repensar sua vida e, ao lembrar de uma menina que conheceu na faculdade, mas que inexplicavelmente nunca pôde se aproximar, decide sair da cidade para explorar novos lugares e fugir da tediante rotina.
Ao iniciar esse movimento de mudar de vida, Truman começa a se deparar com muitas dificuldades sendo-lhe impostas para impedir o alcance desse objetivo, e passa a criar uma visão questionadora de tudo. Juntando-se a isso novos erros de produção que surgem, Truman vai se aproximando cada vez mais da verdade e a lutar contra suas próprias limitações. Quando ele finalmente entende que está sendo controlado por todos de alguma forma, consegue planejar uma fuga sem que ninguém perceba, mesmo que para isso tenha que encarar o trauma do mar. Nesta fuga em pleno “oceano”, a produção do programa apela para recursos bruscos, como o aumento do vento e nível das ondas, que quase matam o astro ao vivo.
Quando Truman consegue superar todas as adversidades artificiais, ele chega ao limite do cenário, e percebe que durante toda a sua vida esteve fechado naquele espaço. Neste momento o criador do Show de Truman surge no alto falante e explica a ele tudo o que aconteceu e o tenta convencer a se manter no espetáculo. No entanto, para o deleite de toda a audiência, ele resolve escapar e fugir daquela prisão.
O Show de Truman traz uma mensagem muito ligada à alienação e ao comodismo. Nos faz refletir sobre como a nossa rotina, por mais entendiante que possa ser, nos faz cair numa zona de conforto onde nem conseguimos enxergar possibilidade de saída. Retirando nossa ambição, capacidade de questionamento e resistência a uma vida de aparências. Esta obra é um retrato muito nítido da nossa sociedade atual, repleta de alienação, consumismo, entretenimento vazio, necessitada de aparências e aprovação social, pouco crítica e questionadora.
Magistralmente, essa pesada reflexão é tratada, por vezes, de forma cômica, e nos leva a dar algumas boas risadas, entre um choque de realidade e outro. Além disso, teve a proeza de antecipar a onda de reality shows que surgiu pouco tempo depois, como uma das mais bem sucedidas vertentes do entretenimento adulto. As próprias redes sociais tornaram-se, indiretamente, uma espécie de reality show, onde o tempo todo estamos acompanhando a vida das pessoas, quase que em tempo real. Por fim, também é interessante notar que qualquer semelhança da história de O Show de Truman com os influencers digitais de hoje, não é uma mera coincidência.