Em 1973, na conhecida canção “Ouro de Tolo”, Raul Seixas cantava: “É você olhar no espelho / Se sentir um gradessíssimo idiota / Saber que é humano, ridículo, limitado / Que só usa dez por cento de sua / Cabeça animal (...)”.
Não se sabe ao certo quem e quando começou essa lenda dos 10%, mas hoje está comprovado cientificamente que utilizamos sim todo o cérebro.
A melhor hipótese, segundo matéria da Superinteressante, é que esse mito foi criado pelos defensores da paranormalidade. Para eles, utilizar 100% do cérebro é exclusividade de quem levita, lê mentes e entorta garfos à distância, enquanto atividades do dia-a-dia limitam o resto de nós a apenas um décimo da “força do pensamento”.
É essa a premissa básica do filme de Luc Besson, realizador francês famoso por trabalhos como “O Profissional” (1994) e “O Quinto Elemento” (1997).
O filme conta a história de Lucy (Scarlett Johansson), uma moça que, forçada pelo carinha com quem ela estava ficando, vai entregar uma mala a um misterioso Sr. Jang (Min Sik Choi). No entanto, ela acaba caindo nas mãos de uma poderosa máfia que está testando, naquela altura de campeonato, uma nova droga potente.
Lucy acaba se tornando “mula” desses criminosos, pois eles inserem um pacote com a droga no estômago da garota. Mas um chute que ela leva é capaz de estourar o pacote, e parte da substância é absorvida pelo organismo de Lucy. A droga tem o poder de aumentar a capacidade cerebral, e vemos então Lucy aumentar incrivelmente suas proezas e habilidades.
Scarlett Johansson está perfeitíssima para o papel, que é xérox de sua mesma Natasha Romanoff / Viúva Negra de “Os Vingadores” (2012), ou seja, a mulher forte, a gostosa que bate em todo mundo. Com o passar do longa, Lucy vai se desumanizando, se tornando fria e robotizada, cheia das frases solenes.
A reviravolta da história acontece quando Lucy resolve se vingar dos mafiosos, caçando um a um implacavelmente. É aí que o filme enche de sangue, tiros e perseguição de carros. Em paralelo, Lucy resolve abdicar-se da normalidade, utilizando doses cada vez maiores da droga, como um experimento ambulante para as teorias do famoso neurologista, Prof. Norman (Morgan Freeman).
O roteiro é ágil e dinâmico. A trilha é atmosférica e está costurada. O filme procura o ponto de equilíbrio entre a ficção científica e o cinema de ação, pontuado com cenas de humor e drama.
O filme procura o tom filosófico, como nos já consagrados “Trilogia Matrix” (Irmãos Wachowski, 1999-2003), “A Viagem” (Tykwer & Irmãos Wachowski, 2012) e “A Origem” (Nolan, 2010), ficando muito aquém. O filme também busca um acabamento que lembra universo de histórias em quadrinhos, na política de mais entreter do que fazer pensar.
Mas “Lucy” peca pelos exageros, há excessos demais. Em várias cenas, a história joga a verossimilhança na lata do lixo, bem como há cenas aleatórias, não-explicadas, que brotam do nada. A fantasia é quem dita as regras, chegando a ser mero surrealismo em determinados momentos.
É certo que tanto nos filmes de ficção científica (como é o caso aqui) como nos filmes de terror, a fantasia se mostra em um estado mais puro que em um drama ou em uma comédia, por exemplo. No entanto, Luc Besson nos apresenta um exercício de fantasia pela fantasia simplesmente. É realmente exagerado supor que uma droga poderosa consiga deixar o ser humano hábil em técnicas que ele nunca aprendeu, e capaz de vencer a morte, o espaço e o tempo.
Luc Besson mostra-se um hábil contador de histórias pop fora do mundo hollywoodiano, embora seus filmes bebam dessas águas. “Lucy” nasceu com pretensões artísticas e comerciais, mas tornou-se um filme B elegante e caro, como se pode ver em seu deplorável final.