Uma paixão
por Lucas SalgadoCom apenas 23 anos, Xavier Dolan já pode ser considerado um diretor cultuado, sendo figurinha carimbada em festivais internacionais pelo mundo. Laurence Anyways é seu terceiro longa-metragem, em que ele mais uma vez mostra que tem o que dizer.
A trama gira em torno do amor e da cumplicidade entre uma mulher e um homem que decide mudar de sexo. Propícia à caricaturas e exageros, a história acontece numa naturalidade impressionante, com o espectador embarcando naquela jornada e sofrendo junto dos personagens principais.
O homem em questão é Laurence, vivido intensamente por Melvil Poupaud, conhecido pelas atuações em O Refúgio e O Tempo que Resta, ambos de François Ozon. O ator foge do estereótipo e dá ao personagem uma grande carga emocional. Ele sabe que sua decisão vai afetar a vida de muitos, em especial da companheira, mas percebe que este é o único caminho que ele tem para entrar em harmonia com o próprio corpo e para ficar feliz ao se olhar no espelho. Outro mérito da produção é não fazer dessa jornada algo simples para Laurence. Ele está decidido, mas isso não torna simples o fato de contar a novidade para a mãe ou dar aula vestido como mulher.
Laurence conta com o apoio da namorada Fred (Suzanne Clément), que luta contra a vontade de largar tudo e sair de casa para apoiar o companheiro. O longa merece aplausos por tornar este aparentemente amor impossível em algo palpável para que assiste.
É claro que a nova realidade de Laurence, aos poucos, vai minando sua relação com Fred, gerando conflitos inevitáveis, mas em momento algum a obra duvida do amor que um sente pelo outro.
É importante ressaltar, mais uma vez, a naturalidade com a qual a história é contada. Estamos diante de um romance trágico e não apenas de um drama sobre mudança de sexo. A trama é envolvente e um dos poucos defeitos da produção está em sua longa duração. São 160 minutos, ou seja, 2 horas e 40 minutos, que podem fazer muitas pessoas se "desligarem" do filme. Não há nada que justifique tal duração, ainda mais quando vemos o longa perder muito, mas muito tempo com esteticismos desnecessários.
Dolan tem uma concepção visual bem interessante e já havia mostrado isso em Eu Matei Minha Mãe e Amores Imaginários, mas é evidente que, em alguns momentos, ele se preocupa mais com o lado estético do que com a narrativa. Ele usa em acesso a câmera lenta, a música de impacto – clássica ou moderna – e as tomadas em close para mostrar o sentimento dos personagens. Usadas moderadamente, todas as técnicas poderiam ser interessantes para a obra, mas não é o que vemos aqui.
Em determinada cena, em que um personagem recebe uma carta, vemos o texto colado sobre a imagem da pessoa lendo, com letras garrafais que ocupam toda tela. Em outra sequência, logo após Fred deixar de usar os cabelos rúivos, vemos a personagem em um ambiente totalmente vermelho, criando um contraponto belíssimo. Estes são exemplos claros que como o uso moderado de um elemento estético pode tornar o filme marcante. Deve-se deixar claro, Laurence Anyways é visualmente interessante e que as ressalvas acima são no sentido de que poderia evitar, em algumas cenas, a banalização do elemento visual.
O longa conta ainda com uma ótima participação de Nathalie Baye como a mãe de Laurence. Pela primeira vez, Dolan não atua em um de seus filmes. Ele só dirigiu e foi responsável pelo roteiro. E digo só, porque em Amores Imaginários ele também foi ator, produtor, figurinista e montador.
Ao final, fica a sensação de que poderia ser um filme menor – em termos de duração –, uma vez que conta com alguns personagens e até mesmo núcleos dispensáveis. Ainda assim, é difícil não se envolver com a história, que merece aplausos por focar no desenvolvimento de duas pessoas e não em polêmicas vazias.