UM FILME CAMPEÃO
por Roberto CunhaSe você não faz parte do grupo de pessoas que chorou com a morte do piloto brasileiro, corre sério perigo de entrar para o time. Senna reúne passagens importantes da vida do ídolo nacional que comoveu nações do mundo inteiro após o trágico acidente em 1994. E é incrível como anos depois a força das imagens e o carisma de Ayrton são tão tocantes. “Uma das poucas coisas que o Brasil tem de bom”, segundo um popular na época. "A alegria foi", disse outra emocionada. Mas é o próprio corredor quem formula uma frase emblemática e bastante atual logo na largada: “Fórmula 1 é política.”
Viajando no tempo através das imagens, você se surpreenderá com detalhes que podem ter ficado no esquecimento ou não foram percebidos. Vai notar o clima real que pintou entre ele e a apresentadora de programa infantil na TV, a sequência de beijos depois da cochichada no ouvido dela e a, talvez, profética parada de bitocas no ano de 1993. Em outras curvas, será possível ver também como eram (?) sujos os bastidores do esporte, evidenciado quando Senna é excluído de uma corrida em 1989 para Alain Prost sagrar-se campeão. Algoz em vários momentos, o francês, contudo, mostrava-se preocupado com a ousadia do herói brasileiro e citava sua crença em Deus como algo perigoso para todos. Essa questão religiosa, aliás, chega a “assustar” quando a irmã diz que o piloto revelara saber que seu maior presente seria encontrar-se com Ele. E o término da parceria com Ron Dennis para dar vazão ao “querer mais” e migrar para uma Williams visivelmente problemática faz pensar que ele conhecia mesmo o caminho. Será?
Num retorno aos desafetos, é curioso ver Nelson Piquet protagonizar um episódio revelador, mostrando ao público que Senna não era somente apaixonado pela velocidade e perseguia a perfeição, mas alguém que tinha princípios e lutava por eles. A preocupação com a segurança, por exemplo, era uma constante e no entanto ele desviou-se da vida por insistir em correr inseguro com o carro. Entre os muitos destaques da obra, a emoção de ver imagens do cockpit com o piloto trocando de marchas (agora são botões), os momentos de alegria e testemunhar (sem montagem) a vontade quase messiânica de representar seu país, quando após uma vitória e sem forças nos braços pede: “me dá a bandeira!” Foi uma grande sacada também a nítida opção por não usar imagem dos depoimentos, fazendo com que a voz em off apenas "converse" com o que se vê na tela. E choca ouvi-lo soltar um "Oh Shit!" quase velado, diante do acidente de Roland Ratzenberger, que viria a morrer na véspera.
Mesmo dia em que respondeu "Não posso parar" para o médico oficial da Fórmula 1, o que remete a letra de Gilberto Gil: "[...] E se eu quiser falar com Deus / Tenho que me aventurar / Eu tenho que subir aos céus / Sem cordas pra segurar / Tenho que dizer adeus / Dar as costas, caminhar / Decidido, pela estrada [...]". Dirigido pelo desconhecido Asif Kapadia (O Retorno), e tendo como acessórios uma boa trilha sonora, edição e roteiro, o documentário flerta com a ficção ao apresentar elementos reais de suspense e drama, parecendo, inclusive, que as cenas foram combinadas, o que seria impossível. Assim, é fácil flamular a quadriculada para Senna, um filme campeão. Em tempo: Não saia antes dos créditos.