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    A Vida dos Peixes
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    A Vida dos Peixes

    Um álbum de retratos

    por Bruno Carmelo

    "Acho que vou embora, já está ficando tarde". A Vida dos Peixes começa com esta frase, dita pelo protagonista, Andrés (Santiago Cabrera), no final de uma festa de aniversário. O ambiente de fim de festa permeia todo o filme: o som já está baixo, a luz está fraca e as pessoas estão alcoolizadas, mas sonolentas, melancólicas. Andrés, chileno que mora há dez anos na Alemanha, tem com este encontro a rara oportunidade de rever muitos dos seus amigos que já foram tão próximos.

    Assim, dentro dos vários cômodos de uma casa, este personagem se lembra de maneira saudosa dos tempos passados. Sem ter um flashback sequer, o filme parece ser um único e longo flashback, em que toda ação remete ao passado, com aquela nostalgia triste de quem já viveu momentos melhores na juventude. Como um álbum de retratos, cada novo cômodo adentrado é como uma nova página repleta de fotos, no qual Andrés descobre novas pessoas, novas lembranças. De maneira simples e coerente, a imagem concentra-se unicamente no baile de rostos que desfilam pela tela, e na mecânica simples deste personagem que vai do quarto à sala, da sala ao banheiro, do banheiro à cozinha.

    O filme nunca sai desta casa, o roteiro nunca nos permite ver mais do que os rostos. A atenção encontra-se então nas expressões, nos silêncios desconfortáveis, nos risos amargos no canto dos lábios. Isso se intensifica quando Andrés reencontra Beatriz (Blanca Lewin), seu antigo amor de juventude, que hoje é uma mulher casada, mãe de duas crianças. Usando a metáfora dos peixes explicitada pelo título, o diretor prefere enquadrar o casal desfeito por trás de aquários, entre os peixes que passam, numa metáfora da prisão em que se encontram, e da inevitabilidade do reencontro.

    Alguns espectadores podem reclamar do ritmo voluntariamente monótono, letárgico, ou ainda apontar - com razão – que esta trama não evolui, seguindo os encontros e desencontros dentro de uma casa, que poderiam resultar tanto em um curta-metragem, como em uma minissérie inteira, dependendo do tempo que a câmera estivesse disposta a passar lá dentro. Mas diante desta aparência de imobilidade esconde-se um filme com grande prazer pelos diálogos, que pretende desvendar os segredos dos seus personagens aos poucos, criando níveis de leitura na medida em que as cenas se acumulam.

    A Vida dos Peixes lembra um trabalho longo, artesanal, tão repetitivo quando apaixonante. Uma recompensa para todos aqueles que acham que as melhores histórias de amor não são aquelas anunciadas pelos personagens, como fatos consumados, mas estas construídas com o tempo, gradativamente, perdendo-se e encontrando-se sem nunca abandonar os personagens.

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