Deus da Carnificina, de Román Polanski. (2011)
Baseado na peça Le Dieu du Carnage da escritora francesa Yasmina Reza, Deus da Carnificina é um filme quase que 100% teatral, o que, para aquele que não é acostumado com o teatro, pode tornar cansativo. E de fato, a impressão que o filme passa na primeira meia hora é que é de um filme lento e monótono, mas aquele que resistir a essa longa introdução se encontrará com um roteiro recheado de diálogos repletos de acidez, sarcasmo e críticas implícitas à sociedade burguesa americana. A trama do filme gira em torno de uma briga de crianças no Parque Brooklyn Bridge, que é mostrada durante os créditos de introdução do filme, sem diálogos, apenas com uma trilha sonora em um plano aberto. A partir daí, os pais do menino agressor, Nancy (Kate Winslet) e Alan Cowan (Christoph Waltz), vão até a casa do agredido para resolver civilizadamente com os pais da vítima, Penelope (Jodie Foster) e Michael Longstreet (John C. Reilly). O filme se passa basicamente todo dentro do apartamento dos Longstreets, o que da a sensação de claustrofobia, porém é compreensível por ser um filme altamente teatral. Por se tratar de um único cenário, a direção poderia ter sido pobre. Porém a habilidade de Polánski por trás das câmeras da às cenas a perspectiva metafórica que explica a intenção do roteiro. Quase em todas as cenas do filme são enquadrados pelo menos dois personagens, o que passa a ideia de binariedade, dois lados, dois pensamentos. O filme não tem trilha sonora, na verdade, tem apenas na introdução e no encerramento, mas as falas incessantes não tornam isso um problema. A falsa cordialidade dos casais nos diálogos iniciais traz um desconforto ao espectador, que passa a torcer pra que aquela situação termine o quanto antes (o que obviamente não irá e nem poderia acontecer). No momento em que o casal visitante parece que finalmente irá dar fim àquele quadro incomodo, o casal anfitrião para manter a conduta educada, do ponto de vista da sociedade ocidental, os convida para um café e os visitantes aceitam, iniciando tudo de novo de maneira cada vez mais tensa. Os defeitos de cada personagem são perfeitamente trabalhados e a atuação de todo o elenco, com destaque para, o vencedor de dois oscars, Cristoph Waltz, fortalecem ainda mais o ponto mais forte do filme, o roteiro. Quando as máscaras começam a cair entramos numa sequência sem fim de falas grosseiras e sinceras, o espectador esquece toda a monotonia presente até então e passa a ficar embevecido com a narrativa do filme. Apesar da excelência do roteiro, no decorrer da película percebemos que a trama principal é o menos importante para o enredo. Ela serve apenas para iniciar um conflito muito mais abundante entre os casais. Porém, as sub-tramas recheiam o roteiro de genuinidade. O trabalho de Alan como advogado da indústria farmacêutica, a preocupação de Penelope com a miséria na áfrica, a inspiração dos homens no modelo John Wayne de machão, entre outras coisas, tornam o que era pra ser uma conciliação através de uma conversa civilizada entre adultos, em uma disputa mais infantil que a dos próprios garotos que iniciaram isso tudo. Outro ponto a se destacar é a guerra de sexos que a discussão entre os quatro se torna a partir de um ponto da história, que é quando ambos os casais despejam na tela os problemas conjugais e familiares que cada um dos quatro sofre. É interessante ver que da mesma forma que o filme se inicia (num plano aberto no Parque Brooklyn Bridge com uma trilha sonora no fundo) ele termina, só que as crianças, que haviam brigado no inicio, dessa vez estão brincando. Deus da Carnificina é um filme que começa dramático e chato, mas com o desenrolar do enredo se torna uma comédia negra de grande qualidade como a sinopse prometera.
Filme assistido em 18/09/2016.