O receio de Chaplin e do seu vagabundo Carlitos, é o receio do homem comum. A incerteza de um mundo que na medida de sua modernidade, exclui o indivíduo e os espaços para o sentimento humano.
"Modern Times" utiliza a faceta da sátira e em certos momentos da paródia para resultar em uma comédia crítica e consciente. Promove um riso contido diante um mundo onde a população é comparável a um rebanho pastoreada por grandes empresas e corporações, e mesmo sendo um filme roteirizado e dirigido por Charlie Chaplin em 1936, possui forte caráter profético ou futurista, atemporal e decerto desamparo, quando refletirmos na posição do mundo contemporâneo.
Chaplin em "Modern Times" já filosofava sobre tantas questões importantíssimas, que ao rever seus filmes, ficamos abismados com sua visão futurista tanto no quesito tecnológico com sistemas de vigilância monitorados por câmeras, um misto de "reality show" com "face time", ligações por vídeo (tal com um Skype), o recurso de mensagens por voz (WhatsApp), gravação digital e na interferência de atividades banais do homem, tal como almoçar, sendo interferidas por máquinas e tudo para garantir mais rendimento no trabalho, otimizado o tempo desperdiçado com atividades humanas.
Para além dos avanços tecnológicos há no filme, ou ao menos em sua primeira parte, uma análise dos efeitos e reflexos da modernidade no homem e no mundo, expressado por relações de subordinação e poder, pelo totalitarismo dos grupos empresariais e pela inexpressividade de movimentos sindicais que resultam em míseros avanços e que são brutalmente reprimidos pela força policial. Um paradoxo bem-apresentado no filme é de como o homem soube avançar em modernidades tecnológicas que , em contrapartida só aumentam as diferenças de classes sociais, gerando grupos concentrados pelo poder industrial e toda uma massa que fica à mercê de uma oportunidade de emprego em grande parte exploratória e escravocrata. Vivendo em condições miseráveis, numa luta diária pela sobrevivência e sem a perspectiva de um futuro melhor, não resta nada mais do que uma posição passiva do povo, que preenche suas expectativas com sonhos e fantasias de consumo e de uma vida menos indigna.
O caráter crítico de "Modern Times" sabe dosar bem os momentos de comicidade, na verdade, eles se misturam em uma massa homogênea tão bem estruturada que permite ao público, se assim desejar, se ater apenas aos momentos de comicidade, mas caso queira, basta apenas um olhar mais atento e podemos nos ver e ver o nosso mundo através de uma ótica de humor crítico. Talvez o receio de Chaplin e do seu vagabundo Carlitos, é o receio do homem comum. A incerteza de um mundo que na medida de sua modernidade, exclui o indivíduo e os espaços para o sentimento humano.
Particularmente, creio em uma tentativa de Chaplin, suavizar sua postura crítica, pois, ao estruturar o roteiro de "Modern Times", a história é dividida em blocos que se assemelham a capítulos, e que podem como recurso de montagem fílmico, serem realocados sem grandes implicações, já que a dependência de um capítulo não interfere fortemente em outro. Essa estrutura que beira a esquete ou "sketch", são, na minha opinião, um recurso fraco e prejudiciais ao filme. Tanto que a resolução para isso é um passar de dias, não faltam cartelas que informam a próxima ação (capítulo), ocorre dez, sete, cinco, dois dias depois ou no prazo de semanas. Essa divisão é tão explicita que podemos estruturar o filme da seguinte forma:
Capítulo I - Fábrica;
Capítulo II - A prisão do vagabundo
Capítulo III - A vida da menina pobre;
Apenas na metade do filme, temos um desdobramento dessa comédia crítica e política para uma comédia romântica, que nada se assemelham a ideia inicial proposta ao filme. O único vestígio que resta desse traço está nas relações trabalhistas, na busca de um emprego e de mudança de vida.
Com a ressalva para o deslize de sua estrutura narrativa, tempos uma grande obra, e mais um trabalho impecável de Chaplin. Quando "Modern Times" foi realizado, o cinema já contava com o recurso sonoro, mas Chaplin, principalmente pelas suas ideologias de criar um cinema de arte universal, que não fosse prejudicado pelas diferenças de idiomas e outros motivos, permaneceu fiel à comicidade da mímica, que lhe fez merecidamente famoso e admirado em todo o mundo.
Inversamente aos que dizem de seu medo em utilizar a banda sonora, temos nesse filme um Chaplin consciente dos avanços do som e que sabe tirar proveito disso, seja apresentado o som como uma tecnologia que permite o envio de mensagens gravadas, nos jogos sonoros como batidas na porta que servem para confundir as ações, no uso de um rádio para inibir o som da gastrite e onde o locutor da rádio lembra justamente para tomar o remédio para sanar esse mal e principalmente o som, como match point da história. Se o vagabundo não consegue um emprego comum, que tal tentar a vida como artista? Mas para isso é necessário cantar, logo ele, que nunca fala. O resultado é uma das cenas memoráveis do cinema, Chaplin cantado "Jcherche après Titine", só que a versão do vagabundo é mais conhecida como "The Nonsense Song" , pois, seu personagem a canta em gibberish, uma mistura de francês, espanhol e italiano sem sentido algum e com sons em gromelô. Tanto a interpretação, quanto a canção do vagabundo é ovacionada pelo público.
Apesar da sua consciência social, o Modern Times não se transforma em um tratado ou drama político, mas continua a ser uma tragicomédia muito barulhenta na tradição Little Tramp. Chaplin aborda o desemprego e outras questões sociais, mas o faz obliquamente, com um toque leve, no contexto das desventuras cômicas de seu personagem.