Vida e morte na floresta
por Bruno CarmeloLogo na primeira cena de Em Nome de Deus, um grupo de pessoas é sequestrado por muçulmanos extremistas. Durante mais de uma hora de projeção, o leitor conhece pouquíssimo sobre os personagens, que sejam agressores ou vítimas. Eles são vistos caminhando pela selva, durante dias e dias, sofrendo com tiros dos terroristas, tiros do exército filipino, sede, fome, frio, estupros, vespas, sanguessugas, escorpiões, doenças.
A abordagem do diretor Brillante Mendoza é bastante curiosa: ele se recusa a adotar um ponto de vista preciso. Esta história poderia ser contada pelo ponto de vista da missionária Thérèse (Isabelle Huppert), posicionando o espectador do lado das vítimas. Também seria possível ver o lado dos sequestradores, e compreender como funciona a lógica do Jihad islâmico. Mas a direção não adota nem uma postura, nem outra.
Mendoza faz de seu espectador um observador frio, ao mesmo tempo onisciente (ele vê tudo, acompanha todos) e passivo diante do drama retratado. Não somos convidados a torcer por ninguém, ou ter raiva de quem quer que seja. Também não existe um posicionamento manifestamente engajado, denunciador. Sem drama, sem sociologia da situação nem psicologia dos personagens, a primeira metade de Em Nome de Deus é de uma frieza mecânica, implacável. Dezenas de corpos se arrastam e sofrem entre a natureza selvagem, nada mais.
Eis que, finalmente, os tiros param. Letreiros na tela indicam que os meses se passam com rapidez, de modo que os reféns permanecem mais de um ano em cativeiro. Inevitavelmente, eles começam a se conhecer pelo nome, criam-se amizades e amores, bebês nascem, mulheres sequestradas casam-se com sequestradores. Quando Mendoza não tem mais a obrigação de contar fatos precisos, sua câmera entra em um território que ele domina muitíssimo bem: a naturalidade das relações humanas, a dinâmica entre familiares e entre amantes.
Ironicamente, é nesta segunda metade do filme, silenciosa e calma, que ocorrem muitas mortes, e também vários nascimentos. O roteiro começa a inserir metáforas do reino animal, comparando seus personagens a formigas, ou representando a relação de dominação por cobras devorando pássaros. Alguns cadáveres são enterrados de acordo com a tradição islâmica, outros de acordo com os costumes cristãos. Cria-se uma convivência pacífica e bela entre essas pessoas. Mesmo Thérèse adota simbolicamente um garoto terrorista, como se fosse seu filho. Neste microcosmo distante da sociedade, quando todas as leis já foram abolidas, e todos os horrores já foram cometidos, nasce uma pequena comunidade em que as religiões, sexos e modos de pensar convivem em harmonia.
Quando o inevitável resgate vem concluir a trama, Mendoza já realizou sua maior proeza: humanizou os corpos indistintos do começo do filme. Optando por não apresentar o contexto no início da história, o cineasta evita induzir o julgamento do espectador. Talvez a abordagem deste filme possa ser resumida em uma cena curta, mágica. Dentro de um barco, o grupo abatido e faminto presencia três dóceis golfinhos fazendo piruetas em alto mar. Todos sorriem pela primeira vez, agressores e vítimas juntos. Nesta hora, somem as diferenças entre eles; todos são iguais diante do fascínio espontâneo pela natureza. São pequenos momentos como este que revelam a poesia do diretor, repleta de um humanismo discreto, simbólico e irônico.