Sob o mote e o ritmo de uma caça, a trama de Segredos de sangue revela-se aos poucos, costurando uma bela teia que o envolve como um abraço carinhoso, mas que pode seguir-se ao final de uma facada nas costas. Você simplesmente não espera isso, ou, no máximo, desconfia, mas não tem certeza, até o ato consumado. Um suspense como uma história de Agatha Christie, que desenrola-se aos poucos, mas sem testar a paciência daquele que o assiste, assim como também não provoca uma enorme ansiedade — esta vem surgindo aos poucos e só fica crítica aproximando-se do final, o que é normal num suspense de ação mais gradual. Não significa, no entanto, que essa história não tenha seus picos. Segredos de sangue divide-se em alguns ‘capítulos’, que são iniciados por decisões tomadas e descobertas feitas pela personagem que protagoniza a trama do início ao fim, que é a India. A delimitação entre protagonista e coadjuvantes é nítida, apesar da produção centrar-se em pouquíssimos personagens (o que poderia dificultar tal separação).
Nos personagens fundamentais, temos: uma adolescente/recém-adulta, uma mãe com pouca relação íntima com a filha, um pai que encontra-se ausente, surgindo apenas em breves momentos (o motivo prefiro omitir), um tio desconhecido. Complementando, em participações econômicas, mas ainda cruciais, temos uma tia do pai e do tio da India, um jovem na faixa de idade de India e um policial — este último, pode-se pensar, tem uma participação típica de filmes do gênero, mas as ações que este provoca nos personagens que recebem em suas (poucas) aparições são determinantes, contribuindo até o surpreendente final.
Na trama senti ecos de Psicose, Lolita e até um pouco de Carrie, e Park misturou muito bem o suspense e o terror psicológico com uma certa carga sexual. Nota para a fotografia que foge da típica apresentação visual de filmes da categoria, tendo o diretor de fotografia Chung-hoon Chung optado por trabalhar com menos sombras do que seria o esperado. Interessante ainda notar como os mesmos pensamentos de India ao início parecem carregar puramente uma autocomiseração, enquanto que mais adiante as mesmas reflexões carregam uma espécie de humor frio — influência clara do que já foi visto, numa espécie de jogo sutil com o espectador.
Para ser (um pouco) mais exato, a experiência de assistir Segredos de sangue é basicamente como a de ler uma boa história surreal de Saramago ou, em menor grau, de Kafka. Sendo esse o segundo filme que assisti dirigido por Chan-wook Park (o primeiro foi Oldboy), senti que essa é a característica de Park: o realismo improvável. Não chega a ser um completo surrealismo, pois não há nem em Oldboy; nem em Segredos de sangue algum personagem que torne-se uma barata ou viva numa cidade em que todos repentinamente ficam cegos, por exemplo. Tudo na trama pode acontecer na vida real, ainda que à primeira vista pareça improvável ou até absurdo, mas as probabilidades no fundo existem. Afinal, é evidente não existirem nesses filmes super-heróis ou monstros fantasiosos: todos elementos são, no fundo, reais, mesmo sendo a história em si pura ficção. Penso que o filme que assisti mais semelhante aos de Park foi Matando cabos (de Alejandro Lozano), embora este explore ainda mais o quase surrealismo com suas probabilidades baixíssimas.
Vale a pena ver, enfim, é um suspense dos muito bons. Recomendo aos que buscam por um filme do gênero com bons toques de originalidade, mesmo que estes ainda estejam lado-a-lado em outros pontos com uma leve previsibilidade (mas o final, afinal, compensa tudo).