Segredos de Sangue (Stoker) 2013 – Um thriller de suspense surpreendentemente excelente!!!
Semana passada estava meio sem motivações para resenhar sobre filme algum, crises existencialistas! Mas eis que surge um filme em minha mente, o nome de um longa que afirmei que estava imensamente curiosa em assistir. Por que o trailer tinha me deixado no mínimo interessada, havia visto na TV, não pude ir ao cinema conferir, então cacei via internet. E aqui estou para compartilhar com vocês o belíssimo filme em questão. Posso considerar que fiquei um pouco receosa no início, afinal pela sinopse pensei que iria assistir um filme repleto de sexo e violência, clichês de hollywood. Só que surpresa é a palavra-chave, me surpreendi galera, vejamos as razões.
Segredos de Sangue (título brasileiro), Stoker (título original, é o sobrenome da família em questão), é um filme americano recém lançado, precisamente em 14 de junho de 2013, foi dirigido por Park Chan-Wook. E estrelado por Mia Wasikowska, Nicole Kidman e Matthew Goode. Daqui você já pode ter um referencial: sangue, família, DNA e segredos. São esses elementos que norteiam toda a trama do filme, ultimamente tenho obtido sorte por assistir filmes bons, quer dizer excelentes.
Desde os primeiros segundos do filme você já sente o clima de suspense no ar, cortes de câmera congelada, letreiros visto ao contrário que deixam a tela lentamente, como se morressem ao ar. E nossa protagonista India Stoker (Mia Wasikowska) é o primeiro personagem que vemos de uma maneira um tanto sinistra. India se encontra na beira de uma estrada deserta, o carro parado, olhando aparentemente para o nada, este início é o começo do fim do filme (vocês entenderão quando assistirem). Pronunciando frases não convencionais, meio sem nexo, começamos a entender o jeito de nossa heroína: meus ouvidos ouvem o que os outros não ouvem. Vejo coisas pequenas e distantes que normalmente não são vistas. Esses sentidos são frutos de uma vida de anseios, anseio de ser resgatada e completada.
Após esse desabafo solitário, é visto um bolo de aniversário, juntamente com o som de uma colisão de um carro, é o segundo ponto norteador da história, a vítima é (Richard) o pai de India, que vem a falecer tragicamente no dia do aniversário de 18 anos dela. Daqui se desenrola toda a atmosfera angustiadora na tela, por ter uma ótima relação com o pai, a mesma não se conforma, triste e solitária, ela sempre foi só, filha única, sente a dor da perda de sua maneira diferente. Vela o corpo inerte de seu pai como um pesadelo, não acredita naquilo. E é durante o enterro que surge o belo, charmoso e misterioso tio Charlie (Matthew Goode), irmão de seu pai, que depois de uma suposta temporada na Europa, volta repentinamente para velar seu irmão. Este início perfeito já chama atenção de forma bem pretenciosa, a partir daqui você gruda os olhos na tela esperando o desvendar dos segredos.
Evelyn (Nicole Kidman) é a belíssima viúva, é uma mãe mais preocupada com a beleza que se vai com o avançar da idade do que com a própria filha. Por ser uma bela mulher e sabe disso como ninguém, usa todo seu charme para ser uma ótima anfitriã para o irmão de seu falecido marido. E Charlie se aproveita disso muito bem, seduzindo-a, ganha sua confiança como ninguém para colocar em prática um propósito bem maior. Ele observa a sobrinha, rodeia seus passos. A partir daí outros parentes surgem para tentar conversar com Evelyn sobre o misterioso Charlie, mas a mesma tão encantada nem dá atenção. E esses parentes assim como surgiram desaparecem como fumaça. Já podemos notar deste capítulo do filme que há assassinatos bem elaborados, sem rastros. E India? Ela no início não aceita a amizade de Charlie, mas no decorrer da história inclina-se a se sentir semelhante a ele.
Estas semelhanças são a frieza, o modo como observam as coisas, afinal é seu parente, há alguma coisa que liga eles. Evelyn é altamente frustrada por saber que sua filha é diferente, sua normalidade que deveria chegar aos 18, nunca irá acontecer. Seu marido se preocupava mais com India do que com ela, a proximidade era tão grande que os dois saiam a caça, sim, ele a ensinou a caçar animais de forma extraordinária, uma matadora nata, como se aquilo estivesse em seu sangue. Richard prepara sua filha para algo pior, como se estivesse prevendo que um dia algo de ruim iria acontecer, este é o maior segredo. Ás vezes temos que fazer algo ruim para evitar o pior; na fala do pai. Essa coisa ruim era a caça, ele não gostava daquilo, fazia por sua filha, por um propósito que escondia de forma super secreta.
É este o segredo de Sangue, há algo que liga Charlie e India de uma maneira intrínseca, de uma forma inevitável. O incesto aqui fica presente quando os dois se apaixonam de maneira palpável e sinistra. O orgasmo que chega ao relembrar um acontecimento frio e mortificável, a paixão por uma parente que nem parece que existia, o anseio por ser completada, sexo sim, mas não de forma abrupta. Aqui se torna poético a forma como Chan-Wook coloca os requintes sexo e violência na tela, não o torna vulgar por mostrar traços de corpos nus. E nem violento porque mostra a morte de forma sublime, sem precisar recorrer a sangue, cabeças decapitadas, aqui não há isso. Há uma nova forma de fazer suspense, não é cansativo, é bem diferente, é um novo estilo de cinema – suspense-drama. O drama sem choradeira, há apenas aflições, um desejo incontrolável da personagem. Que vê sua natureza se libertando ao abraçar a particularidade de Charlie, transformando em uma dupla criminosa ao atravessar a atmosfera da morte, com uma assustadora frieza, ao limiar de uma psicopatia que desabrocha.
Tal criatividade é um dos diamantes deste sucesso, o diretor soube impor seu estilo de cinema em terras americanas, sem perder nenhum resquício de originalidade. O roteiro não é de sua autoria e sim do bonitão tatuado de Prison Break, quem diria que Wentworth Miller produziria um roteiro tão bem elaborado, aliás seu primeiro roteiro, está de parabéns, um ótimo começo. O resultado desta parceria é uma película altamente perturbadora, com cortes de câmera na hora exata, cores mortas ambientando uma belíssima fotografia, lâmpadas acendidas com fantasmagorias e diversas metáforas. O som das cascas de ovos sendo rompidas, uma aranha subindo pelas pernas, o estalar de cintos, o som cru dos passos pela casa, elementos infantis como um escorregador e balanços, sorvetes e uma erótica cena no piano!
Todos estes elementos são importantes metáforas para mostrar um desabrochar de uma adolescente, que se vê rompendo com uma normalidade que nunca terá, por que lhe é incrustada uma natureza fria e selvagem em seu sangue. O nascimento da sexualidade quando encontra na figura de um belo estranho o desperta de sentimentos nunca experimentados. Há uma belíssima cena em que India e Charlie compõem um dueto ao piano, lado a lado, ao mínimo tocar dos corpos é exposto um singelo erotismo, é uma cena muito bela por não ser apelativa.
O piano aliás é maravilhosamente o protagonista de toda a trilha sonora do filme. Que por sinal é marcante por refletir todo o ambiente de inquietação presente, é confuso e sombrio. Os fabulosos diálogos, bastante intrínsecos com o agir dos personagens, a troca de olhares, gestos sutis, tudo isso é bem visível. Aqui o óbvio não é o carro chefe, e sim o sutil, a figuração, as metáforas aleatórias tem sua ordem, em um mundo fictício que parece ser um caos onde o sangue é o grande organizador.
A química presente entre os atores contribui grandemente para a formação desta obra-prima (não é todo filme que vai para meu seleto time). Mia Wasikowska interpreta de uma forma brilhante, como imã nos atrai a cada gesto, está soberba, está quase irreconhecível. Depois do sucesso de Alice no País das Maravilhas, Mia interpreta uma personagem bastante complexa. Afirmo que este é seu tom perfeito, o drama e suspense se encaixaram perfeitamente à ela, deveria se arriscar mais nesta linha. Sua atuação é natural, não forçada ao compor uma garota em plenas mudanças.
A cumplicidade com Matthew Goode é admirável, havendo uma atração sexual e uma cumplicidade entre seus personagens bem sagaz. Goode não é um ator muito conhecido do grande público, mas com certeza já viram ele em comédias românticas, dramas e participações especiais. Mas em Stoker obteve sua grande chance de mostrar seu talento e o faz magnificamente, garantiu seu lugar em Hollywood. E o que falar de Nicole Kidman? O de sempre, excelente atuação, na medida certa, se joga no personagem sem medo algum em mais um papel complexo. Assume uma Evelyn extremamente bela e altamente superficial porque nunca teve amor, nem de seu falecido marido e nem da filha. Enxerga na chegada de Charlie uma nova chance de ser amada e desejada.
Segredos de Sangue é um excelente filme, mas um para minha coleção de ouro, repito é uma obra-prima, digna de indicação a prêmios. Chan-Wook estreou com máxima expressão, seu filme é uma é antes de tudo um limiar entre angústia e moralidade, ou até onde vai a normalidade, o instinto humano. Houve críticas amistosas sobre o longa, mas isso é devido ao costume de se assistir filmes recheados de sangue e sexo, deixando de lado a arte. O cinema é poético, há filmes de ação, terror, drama, etc. que são pura arte, e Chan-Wook veio mostrar que ele é um destes raros diretores que sabem fazer cinema com estilo, garbo e elegância.
A outra linha tênue de Stoker é buscar a compreensão do humano. O que nos faz humanos? Será que podemos deter a natureza de alguém? O filme nos mostra como enxergar o incômodo do que é inevitável, ao atentar a um tio sedutor e misterioso, a perda da ingenuidade ao expor India experimentando duas bolas de sorvete após descobrir um cadáver no freezer, ao simples toque de pele que desperta uma paixão e a verdade inconveniente de que não podemos esconder quem somos. É como India afirma: “assim como a flor não escolhe sua cor, não somos responsáveis pelo que viemos a ser”.
Bjossss! Até a próxima!
Janiê Maia Cunha