Pobre Quarteto Fantástico. Seu maior inimigo nos cinemas parece não ser o Dr. Destino, e sim… o destino. Esta família de super-heróis criada há mais de 50 anos por Stan Lee e Jack Kirby, e que já brilhou tanto nos quadrinhos, não merece esses sucessivos fracassos na tela grande. A primeira tentativa, o filme trash (que se tornou cult) produzido em 1994 pelo mestre dos filmes B, Roger Corman, jamais viu a luz dos projetores, pois a Marvel (sabiamente) vetou o seu lançamento, tamanha a precariedade do resultado final. A título de curiosidade, quem quiser assistir essa ‘pérola’, pode encontra-la facilmente, na íntegra, naquele famoso site de vídeos. Uma nova empreitada surge em 2005, na ‘comédia sem graça’ dirigida por Tim Story que, apesar do sobrenome, parece não saber contar uma história de maneira convincente. Ainda assim, o filme arrecadou o suficiente para gerar uma continuação e, dois anos depois, o jovem cineasta entrega uma nova aventura do Quarteto onde comete os mesmos erros ‘engraçadinhos’ do anterior. Ainda bem que quatro anos se passaram até o lançamento de Capitão América: O Primeiro Vingador (2011). Chris Evans, agora protagonizando o austero patriota, teve este tempo a seu favor, de modo que o público o desvinculou daquele insuportável e inflamável herói adolescente que viveu nos dois longas de Tim.
Aqui estamos, pois, em 2015, e quis o destino que presenciássemos mais um fracasso monumental do Quarteto na telona, o de número quatro… É com grande pesar que constatamos esse fato, o que nos leva a querer buscar respostas que ao menos tentem justificar esse mais novo ‘pecado cinematográfico’. Se a versão de 1994 não teve recursos financeiros, e as de 2005 e 2007 exageraram no tom leve e infantil, este novo longa dá nítidas mostras de ter sido realizado às pressas pela Fox para não perder os direitos sobre os personagens. Nesta luta contra o tempo, soma-se uma produção conturbada, com cortes no orçamento, roteiro desconexo e uma escolha equivocada de elenco. Divergências criativas podem ainda ser percebidas quando notamos que sequências de ação sugeridas nos trailers simplesmente não estão no filme, tendo sido suprimidas na montagem final. Fortes indícios da descrença a essa produção por parte dos próprios realizadores também são notados quando constatamos a ausência de itens que se tornaram padrão em todos os filmes da Marvel nos últimos anos, mesmo os produzidos pela Fox: a) não foi convertido para 3D; b) não há cenas pós-créditos; c) nem Stan Lee aparece em sua tradicional ponta, como se protestasse: “Eu não tenho nada a ver com isso!” Triste…
Desta vez, é por meio de um acidente durante uma viagem interdimensional realizada com um maquinário criado pelo gênio Reed Richards (Miles Teller) que ele e sua equipe se transformam em ‘aberrações’, o que inclui seu amigo de infância, Ben Grimm (Jamie Bell), os irmãos Susan e Johnny Storm (Kate Mara e Michael B. Jordan) e o ‘cientista louco’ Victor Von Doom (Toby Kebbell). A melhor parte do emaranhado de situações que se propõe a ser o roteiro se concentra nas cenas em que os ‘afetados’ descobrem suas ‘anomalias’ e se dão conta de que terão de conviver com elas por um tempo, até que uma ‘cura’ seja descoberta. Há um lampejo de clima de terror nesses momentos, algo elogiável, deva-se dizer. Contudo, o próprio filme parece ter pressa em acabar logo, nos privando da vergonha de vê-lo, e não dando a mínima chance para o desenvolvimento do que quer que seja, ambientação, personagens ou trama, cujo desfecho, de tão econômico, chega a ser trágico (no mal sentido mesmo).
Os jovens atores escalados? Sem carisma. O envolvimento dos personagens? Pouco convincente. A fotografia? Propositalmente sombria para fugir do estilo ‘alegre’ de Tim Story, ao invés de criar um clima ‘sério’ ela apenas reforça a atmosfera depressiva das situações desinteressantes que acompanhamos sem a menor empolgação, falha irremediável em um suposto ‘filme de super-heróis’. O vilão? Quando finalmente surge em cena, o Dr. Destino (de figurino duvidoso) tem alguns acessos de fúria à la Scanners (de 1981, clássico de terror e ficção de David Cronenberg), neste curto momento que também pode ser considerado louvável, SE forem desconsideradas as motivações adolescentes do (mais uma vez) subestimado antagonista que, por fim, sucumbe ao clichê de cometer devaneios megalomaníacos. E o Coisa? Bem construído digitalmente, o rochoso personagem é absurdamente desperdiçado na trama, nos dando a desconfortável sensação de que, desde que aparece pela primeira vez, quando o filme já está na segunda metade, ele passa mais tempo sentado do que de pé (!).
É importante que se diga, entretanto, que esse ‘filme-catástrofe’ (novamente no sentido pejorativo) não deve ser creditado integralmente ao diretor Josh Trank. Seu longa de estreia, Poder Sem Limites (2012), não por acaso possui como tema jovens que adquirem superpoderes, e a trama é conduzida com uma certa originalidade para o gênero, no melhor estilo ‘câmera na mão’. O resultado é, no mínimo, interessante. Sobre este seu segundo trabalho, o cineasta deu a entender, por meio de declaração em uma rede social, que não teve liberdade de criação ao dirigi-lo, e que a sua edição final do Quarteto seria bem diferente da que chegou aos cinemas. Fica, portanto, a dúvida no ar. A ‘versão do diretor’… seria mesmo melhor? Talvez nunca saibamos. Outra capciosa pergunta que pode ser formulada diante deste quarto fracasso do Quarteto nos cinemas: O que é pior? Um filme ‘engraçado sem graça’ ou um filme ‘sério sem critério’? Não me arrisco a responder, embora, ao voltar os olhos para os dois filmes ‘Sessão da Tarde’ de Tim Story, recordo-me que, ao menos, ao menos… eles continham um certo ritmo de aventura que, no mínimo, ia de encontro ao público infantil. O Quarteto Fantástico versão 2015 encontrará público que o aprecie? Será suficiente para a Fox arriscar mais uma sequência?
Há ainda a seguinte situação que pode passar pela mente do fã. E se a Fox desistisse, e os direitos da super-equipe voltassem para a (agora toda poderosa) Marvel Studios? Para exemplificar o que poderia acontecer, lembremos do Hulk de Ang Lee, lançado em 2003 pela Universal e que, fazendo jus ao seu estúdio, traçava um paralelo com alguns monstros clássicos do cinema. O conceito não foi bem aceito pelo público que considerou o filme dramático e psicológico demais. Cinco anos depois, já pela Marvel Studios, O Incrível Hulk de Louis Leterrier optou por uma abordagem mais dinâmica e se saiu melhor. Detalhe: se Ang Lee realizou um filme contemplativo que dedicava a maior parte do tempo para contar a origem do herói, a produção de 2008 partiu do princípio de que todos já sabem quem é o Hulk e como ele surgiu. Bastou um rápido flashback durante os créditos de abertura e pronto. “Já apresentamos o personagem, vamos à história.” Vejo um caminho semelhante para Reed & Cia. Por que gastar um filme inteiro contando de novo uma história de origem que já está no imaginário do público (isso serve também para um certo escalador de paredes)? Se um dia (e esperamos que esse dia chegue logo) o Quarteto puder ser desenvolvido no cinema pela própria Marvel Studios, não me surpreenderia ao me deparar, logo em suas primeiras cenas, com o Senhor Fantástico, a Mulher-Invisivel, o Tocha-Humana e o Coisa devidamente instalados no lendário Edifício Baxter, com seus uniformes azuis e prestes a entrar em ação em alguma trama que envolva viagens espaço-temporais inusitadas, intrigas familiares surpreendentes e um Dr. Destino verdadeiramente ameaçador. Não custa sonhar. O Quarteto Fantástico, afinal, terá algum dia um filme que o represente à altura? Torçamos, pois, para que esta super-família, enfim, encontre um destino melhor…