A inspetora de quarteirão
por Francisco RussoUma frase célebre ligada às ditaduras como um todo é "o problema não é o ditador, mas o inspetor de quarteirão". Uma mera constatação da influência de um regime rígido, que impede a liberdade das pessoas, nos próprios funcionários deste governo, que se sentem impelidos a fazer valer o regime perante seus subordinados. É exatamente esta a ideia aplicada no drama argentino O Olhar Invisível, dirigido por Diego Lerman.
Logo de início o filme alerta que a história é situada em março de 1982, época em que a ditadura militar argentina começava a ruir. O cenário é um tradicional colégio de Buenos Aires, onde os inspetores impõem uma rígida disciplina aos alunos – são os inspetores de quarteirão, da frase do primeiro parágrafo. Tudo é considerado subversivo e motivo para punições, desde o cabelo um pouco maior do que o recomendado até breves beijos trocados por um casal de alunos às escondidas. Em um ambiente de tamanha repressão, não demora muito para que surja a paranoia de encontrar – e punir – possíveis irregularidades cometidas longe dos olhos dos inspetores. É o tal olhar invisível do título, aquele que faz com que as pessoas não façam algo "errado" por medo de serem punidas.
Empolgada em cumprir suas tarefas à risca, a inspetora Maria Teresa (Julieta Zylberberg) passa a vistoriar, às escondidas, os banheiros masculinos. A desculpa oficial é tentar flagrá-los fumando, mas as espiadelas por trás da porta conta com outros interesses, bem pessoais. O ato, seja pelo risco ou pela breve liberdade concedida a si mesma, traz a Maria uma forte tensão sexual, aplacada ao ver os alunos urinando diante de si. Há ainda o interesse mesclado com admiração por Biasutto (Osmar Núñez), o chefe dos inspetores, que faz a função do ditador neste pequeno e representativo universo.
Apesar de seu forte simbolismo, a partir da comparação da realidade do colégio com a vivida pela Argentina como um todo, O Olhar Invisível peca justamente por não ir mais fundo em questões essenciais sobre opressores e oprimidos. O ponto de vista de Maria Teresa ressalta a posição do ingênuo apolítico, aquele que pouco se importa com ideais e apenas segue as ordens recebidas, sem sequer analisá-las. Neste sentido o que há de mais interessante no filme é justamente o final, quando a inspetora muda de posição perante este "regime ditatorial" imposto dentro das portas de um colégio.
De ritmo lento e por vezes cansativo, O Olhar Invisível é um filme menor do que poderia ser por não dialogar com o que acontece do lado de fora do colégio – com exceção do terço final mas, ainda assim, de forma bem amena. Ainda assim, levanta questões interessantes sobre obediência às cegas e a influência de uma ditadura perante as pessoas.