Este filme é uma completa homenagem a Nietzche, desde a concepção do enredo até o tema que o perspassa. De fato, o mote para o filme é a famosa história da vida de Nietzche, no qual ele na cidade de Turim, havia visto um homem açoitar o seu cavalo porque teimava em não querer sair do lugar. Nietzche tomado de piedade pelo animal investe contra o dono e abraçando o cavalo se defaz em lágrimas. Começa ai a grande "noite" em cai Nietzche até a sua morte na mais completa loucura. E o cavalo e o seu dono?? Ninguém nunca mais soube nada sobre eles. E é este o gancho para o inicio do filme. Vamos acompanhar seis dias na vida daquele homem e do seu cavalo. São seis dias nos quais acompanhamos pacientemente a conclusão da história trágica daqueles seres humanos e daquele pobre animal. Diante da falta de senso da vida e da pulsão de morte inerente da vivencia humana, o diretor faz de "Cavalo de Turim" a sua "tragedia Grega" como concebia Nietzche, ou seja, a união do Dionisiaco ( o instinto, o irracional, o profundo , o inconsciente, a escuridão, a morte ) dado pelas sensações que evoca a visão daqueles seres e suas respectivas vidas; e em união com o Apolinio ( a forma, a plasticidade, a pureza, a luz, a vida ) que no filme é dado pela estupenda fotografia em preto e branco, e pelos longos planos-sequencias. E como na tragédia, o filme nos incomoda e comove no nosso profundo ser, resgatando um pouco a concepção que os espectadores gregos da tragedia tinham ao assistir as tragedias, ou seja: "isso é a realidade", "isso é a vida". Assim ao ver representada a vida, e o significado tragico da mesma, a tragedia servia como uma medicina que amenizava as angustias diante de uma vida regida por instancias maiores, e da qual não tinham o menor controle. E o faz da mesma maneira o diretor Bela Tarr: a visão daquelas vidas, inclusive a do animal, nos traz para mais perto essa sensação de mundo vivida pelos Gregos há quase 2500 anos atrás.: a sensação de que vivemos uma vida completamente fora de nosso controle, regidas por parametros insondaveis e invisiveis, gerando em nós uma "nausea" pela existencia, uma angustia por estar vivo. Se pode sempre romper esse destino que nos acorrenta a essa vida, e o filme nos faz ver uma delas. Termino aqui com um trecho do proprio Nietzche ( Cinco Prefaciospara cinco livros não escritos ), que ao meu ver sintetisa muito bem o filme:
"....Na exigência de que a grandeza deva ser eterna, incendeia-se a batalha terrível da cultura; pois
tudo mais, tudo o que ainda vive grita “não!”. Preenchendo todos os cantos do mundo, como um
terreno pesado do ar que todos nós estamos condenados a respirar, o habitual, o pequeno, o comum
fumegam em torno da grandeza e se lançam no caminho que esta tem de seguir para alcançar a
imortalidade, obstruindo, sufocando, turvando, iludindo...."