Ilusões
por Francisco RussoEm um belo dia, tudo muda. Alguém chama sua atenção, seja por questões estéticas, intelectuais, de personalidade ou ainda um pouco de cada uma delas. De repente a pessoa passa a brilhar, tudo que ela faz soa perfeito. As qualidades são maximizadas, os defeitos são tão menores que podem ficar de lado. Sem se dar conta, você está apaixonado(a). Vem então a derradeira pergunta: o sentimento é recíproco? O alvo tem consciência deste interesse ou ao menos já deu algum indício que algo possa realmente acontecer? É a partir destas duas questões que surge Amores Imaginários, um criativo exercício do diretor e protagonista Xavier Dolan sobre a transformação avassaladora provocada pela paixão e o quanto ela pode ser ilusória, sem que a própria pessoa perceba.
O alvo é Nicolas: loiro, jovem, culto, brincalhão, de cabeça aberta, acaba de chegar à cidade. Não demora muito para que os amigos Marie e Francis se interessem por ele. Sim, isto mesmo. As atitudes de Nicolas deixam uma dúvida no ar: seria ele hetero ou homossexual? O carinho com o qual trata ambos não permite que o martelo seja batido, para algum dos lados. A categoria Kinsey, citada num dos depoimentos que permeiam o filme, lembra que ele pode ser ambos. Em meio aos questionamentos, Nicolas surge em cena usando os clássicos óculos de Lolita, no formato de coração. Natural, ele é o objeto de desejo dos amigos. Não demora muito para que seja comparado com Davi, a estátua que simboliza a perfeição do ser humano. Exagero? Não para quem está apaixonado.
É através deste olhar, de quem vê os acontecimentos em busca de pistas que indiquem algo além, que se baseia a boa direção de Xavier Dolan. Não apenas através da história ou no enfoque especial dado ao ponto de vista de Marie e Francis, mas também esteticamente. Seja nas luzes retratando as experiências sexuais dos amigos com outras pessoas, e a frustração presente em cada caso, ou na linda “Bang Bang”, canção que surge sempre que Marie ou Francis se vestem para matar, dando aquele retoque especial de quem está decidido a conquistar o próximo.
Amores Imaginários de certa forma dialoga com (500) Dias com Ela, pela abordagem do ciclo da paixão. Início, meio e fim. Os depoimentos em tom documental que surgem em vários momentos do longa-metragem lembram que a história apresentada não é única, o amor e a paixão surgem nas mais variadas formas e dependem ainda da personalidade e caráter dos envolvidos. Questionamentos sempre surgem a cada fracasso e o isolamento por vezes é necessário, mas a desistência está fora de cogitação. Afinal de contas, o homem não foi feito para viver sozinho. Bom filme.