“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.”
Com esta enigmática frase, o diretor Michael Radford abre sua versão do homônimo livro de George Orwell, escrito em 1949, mas com uma trama tão reflexiva e imaginativa que não saiu do pensamento de inúmeros leitores até hoje. Já adaptado em 1956 no cinema inglês, o filme roteirizado e dirigido por Radford ganha traços mais realistas, apoiado por um clima tétrico, um visual escuro e ameaçador com sua brilhante direção de fotografia (de Roger Deakins), passando por uma direção de arte inteligente e convincente a ponto de acreditarmos que a Londres vista durante o longa é de fato uma cidade que foi dizimada pela terceira guerra mundial, que teria ocorrido nos anos 60, transformando o ano de 1984 do filme em uma realidade alternativa onde o mundo se dividiu em três partes após o fim do conflito nuclear: Oceania (onde Londres se encontra), Eurásia e Lestácia, que brigam entre si para conquistar território na região da África.
A narrativa é contada a partir do ponto de vista do londrino Winston Smith (Hurt), membro do governo totalitário da Oceania, ficando no departamento de informações, responsável por apresentar e, muitas vezes, manipular informações para a população, como com relação as investidas de rebeldes contra o governo ou com relação ao conflito armado na África. Sendo constantemente observados por câmeras e telões, onde o rosto do suposto líder Big Brother (daí surgiu o nome do reality show famoso) dita as regras para a população, os habitantes de Londres vivem oprimidos e na miséria, sendo privados de várias coisas, como acesso direto a alimentos e até mesmo ao sexo – o que, depois de algum tempo, começa a revoltar Winston, principalmente ao se apaixonar e começar uma relação (escondida) com outra integrante do partido, Júlia (Hamilton).
Visto por alguns como uma critica ao socialismo – a ideologia do partido totalitário chama-se IngSoc (Sociologia Inglesa) – o próprio autor ressaltou que não se trata disso, mas sim, uma grande visão pessimista sobre os problemas que um governo autoritário teria sobre as nações – especificamente sobre controlar informações – fica evidente que a guerra que o governo usa tanto como desculpa pela situação econômica do país seja falsa – o uso de imagens antigas para demonstrar o conflito nos telões talvez seja uma forma de sugerir isso. Assim como o controle de natalidade, privando os habitantes de terem relações sexuais – o que leva Winston as ruas a procura de prostitutas, por exemplo.
A ideia genial da história de Orwell consiste em demonstrar como um governo assim é capaz de destruir o ser humano – por dentro e por fora – exterminando a intimidade das pessoas, alterando até mesmo o linguajar da população (a tal da Novi língua), a fim de cortar relações com fatos históricos do passado, o que pode alienar profundamente um povo – vide as discussões que a nossa sociedade brasileira tem nos últimos tempos sobre as aulas de história nas escolas.
Com a atuação visceral e enxuta de Johh Hurt, conseguimos acompanhar algo bastante triste com relação as formas que o governo do Big Brother oprime até mesmo o amor e usa traumas do passado de Winston para conseguir convence-lo de que não deve fugir da doutrina perversa do governo – algo que bate de frente com a postura um tanto despreocupada (ou até mesmo alienada) da Júlia da boa Suzanna Hamilton. E ao apresentarmos o sinistro membro do partido interno, O’Brien, vivido em uma composição assustadora do grande Richard Burton, o filme exemplifica perfeitamente todo o medo que um governo fascista poderia nos oferecer.
Deslizando apenas por perder o ritmo com as longas representações da consciência de Winston em um local paradisíaco (com relação ao destino terrível que o aguarda), o longa de Radford logo ganha pontos com sua melancólica trilha-sonora, com algumas músicas do grupo Eurythmics – que chegam a criar uma ambientação lúdica e até mesmo um tanto esperançosa para a relação de Winston e Júlia.
Acaba sendo muito fiel ao livro de Orwell – ao ponto de ter sido filmado exatamente entre os meses citados na obra original, no ano de 1984 (!!!) – e um retrato atemporal da obra do grande escritor, que previu o futuro de uma forma incrivelmente realista – e o fato de que muitos dos conflitos e perguntas abordadas em 1984 ainda existam no mundo de hoje, tornam este filme um elemento fundamental para quem acompanha ficção cientifica.