As aventuras e desventuras do quase mítico Rei Arthur, por ser uma lenda – ou seja, uma história nunca comprovada – merecem uma boa atenção e um certo respeito por ter ficado tanto tempo no imaginário do público – e o cinema e a televisão são grandes responsáveis por isso, é claro. Com versões clássicas como a de 1953 e o Excalibur de 1981 de John Boorman, que se apropriavam de um modo “fiel” à lenda clássica, que supostamente surgiu nos primeiros séculos do primeiro milênio, também acompanhamos versões diferenciadas – como um desenho animado da Disney (A Espada Era a Lei, 1963), uma versão romântica (Lancelot, 1995) e outra sem os elementos de magia originais (o mediano Rei Arthur de 2004, dirigido por Antoine Fuqua). Portanto, o que um cineasta como Guy Ritchie, vindo de obras diferenciadas como Snatch, a bobagem Swept Away (com Madonna) ou os filmes de Sherlock Holmes, poderia injetar de novo neste conto tão explorado pela indústria cinematográfica através dos anos?
Lamentavelmente, muito pouco. Mas, ainda assim, é visível que o cineasta se esforça. Sendo também um dos responsáveis pelo roteiro, Ritchie tenta modificar certas partes clássicas da lenda para tentar dar algum fôlego novo ao projeto – que não precisa ser muito analisado para se notar que parece ser a tentativa de iniciar uma franquia de filmes duradoura – mas, dependendo deste A Lenda da Espada, parece não ter muita força para ir à frente. O estilo de Guy Ritchie para filmar é o que pode ser dito como “moderninho” – ele insere estéticas de videoclipe – incluindo músicas com vocais que “citam” os sentimentos dos personagens – e uma montagem ágil para exemplificar as ações e planos que Arthur (Hunnan) faz com seus comparsas que (futuramente) farão parte do clássico time dos Cavaleiros da Távola Redonda – a primeira vez que o diretor faz isso – quando mostra o futuro rei tentando demonstrar como conseguiu fazer um acordo com Vikings – é desastrosa, com uma edição confusa e rápida demais – mas, depois, quando demonstra uma tentativa de ataque ao Rei Vortigern (Law), o diretor mostra os traços que o fizeram um cineasta com algum destaque – lembrando o inicio de sua carreira com Snatch – apoiado pela boa trilha de Daniel Pemberton, que utiliza-se de “marchas modernas”, com estruturas de rock e dubstep, criando um bom clima, no melhor estilo Onze Homens e um Segredo.
É uma pena que esse virtuosismo narrativo do diretor se perca (ou não exista) logo no início – de forma incrivelmente rápida – mesmo contando com letreiros explicativos – Ritchie resume o conflito que assolava o reino da Inglaterra, onde o Rei Uther (Bana) vence um temível feiticeiro que causava enormes estragos ao povo inglês. Com a paz se iniciando, quem se vê ameaçado e cobiçando o trono de Uther é seu irmão Vortigern, que planeja e executa um plano para se tornar o rei – ele consegue assassinar Uther e sua esposa, mas não o filho pequeno do casal, Arthur, que foge em um bote e acaba sendo encontrado por uma prostituta, que o toma para criar. Já adulto, Arthur, que ainda não se lembra de quem era seu pai, e seus amigos na capital Londinium vivem de dar golpes em Vikings e outros para sobreviver – mas a busca do Rei Vortigern para eliminar o herdeiro de Uther – que segundo uma lenda é a única forma do atual rei ter poderes mágicos ilimitados – mudará a vida de Arthur quando ele consegue tirar de uma rocha a espada de seu pai, a famosa Excalibur – se unindo aos guerreiros Bedivere (Hounsou) e Bill (Gillen), e a uma Maga (Frisbey), supostamente enviada pelo mago Merlin, Arthur será o líder contra o império ilegítimo do atual rei.
Estruturalmente, são poucas as diferenças na história – mas elas existem – como a forma que a espada é encontrada – não dentro de uma rocha, na verdade. Mas, com o começo ágil demais, com uma cena de morte da mãe de Arthur incrivelmente sem impacto, pouco antes de se iniciar uma sequência de créditos iniciais pouco empolgante, essas suaves diferenças se perdem – restando apenas algum exercício de estilo – aparentemente, Ritchie quer misturar a estética clássica de conflito de Game of Thrones (conflitos familiares) com o visual de jogos de RPG (reparem nos golpes de espada de Arthur) – e tropeça nas duas coisas – a trama não chega nem perto da complexidade e violência do seriado citado – assim como as tais cenas de combate com a Excalibur soam como um “videogame filmado”, com Charlie Hunnam tornando-se um “fantoche digital” mal concebido – e falso – só faltando aparecer na tela a contagem de pontos que o jogador estaria ganhando – piorado por enquadramentos desnecessariamente fechados para as cenas de ação – nem sempre ajudadas pelos poucos momentos onde o 3D aparece um pouco – cenas de flechas passando perto da câmera e tal. E os excessos de filtros atrapalham a fotografia – principalmente nas cenas dentro do castelo do rei.
Se os enormes elefantes gigantes impressionam no começo, a cobra gigante que a Maga da pouco aproveitada Astrid Bergès-Frisbey utiliza para se defender ao final torna-se quase risível – os efeitos são bons, mas usados sem muita imaginação – mais um filme com planos aéreos acompanhando águias – ou seja, milhões de dólares usados para fazer mais do mesmo. Guy Ritchie muda a criação do Rei Arthur, tenta conciliar um clima realista com toques de magia na trama – mas falha por não saber dosa-los corretamente – especialmente quando todo o elenco não está bem em cena – repare na cara de desaprovação de Jude Law, um ator excelente, mas que aqui trata Vortigern como um ser covarde, arrogante e pouco expressivo – o que, de certa forma, ajuda a nos convencer que ele é capaz de assassinar entes queridos apenas para se tornar mais poderoso – com sua relação com uma estranha criatura que vive no poço do castelo. O ator parece pouco empenhado, mas, ainda assim, consegue se destacar aqui e ali – como no momento em que ameaça decepar a orelha de um personagem para descobrir se um outro esta envolvido com Arthur – vilania clássica, pode se dizer.
Com alguns coadjuvantes convincentes como Djimon Hounsou – um dos atores que hollywood aproveita muito pouco, infelizmente – e o Bill de Aidan Gillen, nem o ator da série Sons of Anarchy, Charllie Hunnam, consegue se destacar totalmente com seu Arthur – em um papel que já foi até de Sean Connery nos cinemas, Hunnam alterna entre o carisma quando exibe sua lábia para ser negociador ou líder – mas cai para uma inexpressividade quando precisa ser mais dramático – como na desnecessária cena onde ele tenta se livrar do fardo que carrega por ter se tornado herdeiro da Excalibur – momento onde o diretor tropeça, novamente, por tentar inserir sua estética de videoclipe – gratuitamente, infelizmente – forçando o clichê de mostrar o futuro do protagonista se ele desistir de sua luta ou ideais através de um flashforward – aliás, as decisões erradas do diretor estragam até mesmo o importante momento onde Arthur retira a espada do lugar onde estava fincada – como inserir em um ponto chave do filme um “ator” que não tem um mínimo de conhecimento sobre atuação? – sim, eu estou falando da participação vergonhosa do jogador de futebol David Beckham – com certeza, ainda que rápido, um momento digno de Framboesa de Ouro.
Mesmo aparentando mostrar uma mensagem pacifista e critica (ao governo de Donald Trump ou certas medidas da União Europeia, talvez), no inicio e depois apenas no final – se esquecendo completamente no restante do tempo – é muito pouco para garantir que essas novas (e fracas) ideias sobre a lenda do Rei Arthur sobrevivam o suficiente para se tornar mais uma franquia – os efeitos especiais e uma narrativa que precisa de recursos de videoclipe para ser contada representam pouca coisa, mesmo para uma história de um personagem que ninguém sabe se realmente existiu – e sobrevive melhor em nosso imaginário do que no formato deste filme.