Importância Além da Conta
por Francisco RussoNo mundo moderno é comum classificar tudo o que acontece, de forma a comparar situações e eventos. Seja através de percepções sensoriais, do tipo é melhor ou pior, ou através de números, que muitas vezes são meros símbolos que não significam toda a abrangência do que está em avaliação. É o caso do estopim de Qual Seu Número?, comédia estrelada pela atabalhoada e um tanto simpática Anna Faris. Afinal de contas, ela pira ao ler em uma revista feminina que as mulheres americanas, em média, tem 10,5 parceiros sexuais ao longo de toda a vida. O problema é que Ally, sua personagem, está perto do dobro deste número. O que fazer?
Qualquer pessoa sensata poderia até levar em consideração a reportagem, mas jamais a trataria como um caso de vida ou morte. Tudo bem que o exagero faz parte da comédia, mas é preciso ter ao menos um pouco de coerência e bom senso. É exatamente a falta destes dois itens que faz a premissa básica de Qual Seu Número? ser tão frágil. A começar pela protagonista acreditar tão à risca no que diz a revista, ao ponto de ter a certeza absoluta que, caso tenha o 21º parceiro sexual, seu futuro como mulher casada estará sepultado de uma vez por todas. Uma crença que beira o ridículo, não apenas por sua existência mas por não haver qualquer tipo de contestação ao longo da história. É como se todos concordassem apenas para que o filme tenha um rumo a seguir, sem qualquer compromisso com a tal da coerência e o bom senso, que gritam no ouvido do espectador pedindo para serem lembrados, nem que seja por um breve momento.
Por outro lado, a premissa sem fundamento leva a questões interessantes envolvendo o comportamento sexual nos dias atuais. O mal estar de Ally diante do número é até compreensível, devido ao universo machista que parabeniza a conquista masculina e recrimina quando ela vem do sexo oposto. Resquícios que nem mesmo a revolução sexual eliminou, apesar dela ter igualado bastante o peso do homem e da mulher na arte da conquista. Questões como promiscuidade são abordadas de forma leve, especialmente pelo lado de como as pessoas de fora avaliam esta postura. E, é claro, servem para trazer à tona a velha questão do aceitar-se como é, sem se preocupar tanto com a opinião alheia.
Este lado de análise do sexo no mundo atual é o que há de mais interessante em Qual Seu Número?, apesar de não ser um tema tão explícito durante a história. Para captá-lo é preciso estar atento aos diálogos e comportamentos, as famosas entrelinhas nos relacionamentos. Algo prejudicado também pela insistência nas piadas grosseiras e no clima sexy, com cenas de nudez milimetricamente calculadas para que transmitam sensualidade sem que a classificação etária dispare.
Qual Seu Número? é, como um todo, um filme bobo. Não pelo tema abordado, mas pela forma como chega nele. Há uma infantilização no comportamento de Ally que irrita em vários momentos, fora piadas tolas como a que cita Borat. Dispensável.