Esse é um Terrence Malick pra fortes. Não é um filme pra se iniciar a carreira do diretor, não consigo ver uma pessoa vendo esse filme primeiro e não odiando. Ele nunca esteve tão indulgente e nunca usou tão poucos diálogos pra contar sua história. É uma escolha meio perigosa, que pode gerar uma certa incompreensão a partir do momento que, realmente, causa uma lentidão muito maior à narrativa, mas é uma escolha que só um diretor com tantos anos de estrada poderia tomar.
Amor Pleno é uma poesia. E do início ao fim somos colocados diante de personagens que nos dizem pouco, aos poucos. Isso não é um defeito do roteiro, pelo menos não me pareceu pois eles são criados dessa forma e justamente pra chegar a essa percepção. O personagem do Ben Affleck é um exemplo disso. Pouco conversa, pouco fala em cena, pois ele não é o foco pra conhecer essa história a fundo já que ele é apenas o objeto do amor da personagem de Olga Kurylenko. A inexistente expressividade e passividade de Ben Affleck são um ponto chave pra que possamos compreender toda essa paixão sentida pela personagem.
Marina - aliás, o nome da personagem é desnecessário no filme - está muito bem representada por Kurylenko, que coloca uma carga emocional gigantesca na personagem, principalmente quando chegamos mais próximos do clímax. E fica perceptível o fascínio que Malick tem por essa personagem a ponto de escolhe-la pra protagonizar o longa. A gradual maneira com que notamos sua bipolaridade ("I find two women inside me, one full of love for you… the other pulls me down towards the earth.") é sensacional. Não é nem necessário citar a sua necessidade em se entregar a alguém sem olhar a quem.
Já o personagem de Javier Bardem é uma ponta solta e tanto no roteiro. É possível compreender e até ser complacente com sua crise existencial, suas divagações e buscas na vida, mas a sua relação com o núcleo principal, o do casal, é pífia (o que me parece cena perdida nas famosas montagens e remontagens do diretor). E quando ele surge, sua trajetória é um tanto quanto menos interessante. Ainda que sirva pra um certo "respiro" de toda a carga emocional contida nas relações amorosas.
Rachel McAdams aparece bem pouco, mas sua participação é bastante relevante. Fiquei com vontade de ver mais de sua personagem, inclusive. Fundamental para a "virada" do filme, a mulher que Neil conhece há muito tempo e ressurge balançando seus sentimentos, com o tempo, é ainda mais um outro mistério a desvendar nesse filme. É nesse ponto também, que o filme demonstra um "culto ao corpo", maior do que em qualquer outro filme do cineasta. A presença do corpo, da relação, do sexo como instrumento de manutenção do enlace. Há aqui uma ode à forma, implícita, e carregada de simbolismos e metáforas.
Apesar desse assemelhar-se em alguns pontos com o filme anterior de Terrence Malick, há diferenças gritantes. Em A Árvore da Vida, o diretor falava de religiosidade, fé no sentido mais literal da palavra. Aqui, ele faz um verdadeiro tratado sobre o amor e seus significados, mas não deixa de falar de Deus. Aliás, o personagem do Padre está ali exatamente pra isso. Entretanto, ao contrário do anterior em que Malick consegue conceber uma obra-prima ao canalizar não só sua visão, mas um panorama completo sobre questionamentos religiosos, em seu novo filme falha nisso, uma vez que os personagem não parecem precisar, em sua essência, do lado espiritual. E mantendo-se parcial ao ponto de até tentar, de certa maneira, catequizar o espectador em algumas passagens, seu novo olhar se mostra restrito e, por vezes, incômodo, não por meio do questionamento à fé do Padre, mas sim por meio do efeito que a palavra tem em suas criaturas.
Claro que isso não afeta o todo, que resulta num filme muito belo onde Neil e Marina não escapam de uma guerra interna que ambos estão predestinados a perder. Ela, muito mais por se apegar fortemente ao único porto-seguro de sua vida. Amá-lo foi um presente, e a personagem só consegue estar bem, amando. E isso era tão forte pra ela a ponto de não conseguir mais viver sem essa presença. E toda a lírica do filme está aí: no querer e acreditar fortemente nisso. Com tanta força que deixa uma certa dúvida sobre até que ponto toda essa "maravilha" seria real e não um fruto do desejo. m frases como “Love makes us one. I in you. You in me.", a câmera deixa claro por meio de ponto de vistas bastante subjetivos a intensidade do interesse de Neil ao longo de seus envolvimentos amorosos. E então, o título "To The Wonder" mostra-se um tanto quanto irônico, não de uma forma cômica, mas questionadora. E por meio dos pensamentos e insights, Malick triunfa em sua ideia mais uma vez, apesar de alguns pequenos tropeços no meio do caminho.