Não sou cult o suficiente
Custei a decidir se escreveria sobre este tema, mas qual seria a minha função de colunista se não existisse o questionamento (até mesmo negativo) sobre algo que incomoda? Na última sexta-feira de folga, como de praxe, fui ao cinema e escolhi um filme somente pelos atores. Pensei: um filme com Ben Affleck e Javier Bardem no elenco não pode ser ruim. Entrei na sala, comecei a assistir às primeiras cenas de “Amor Pleno” e ali mesmo percebi que era uma produção diferente. As lindas cenas em Paris foram me levando a uma saudosa lembrança da minha viagem, e a narração poética e subjetiva deixava o filme interresante e, num primeiro momento, apaixonante... Mas esse sentimento se esquivou ali no inicinho mesmo, pois, sinceramente, ninguém aguenta uma viagem sensorial e metafísica assim no cinema durante muito tempo.
Só pra você ter uma ideia do que eu estou falando: Ben Affleck, o protagonista, abriu a boca umas três vezes durante o filme inteiro; não existiam diálogos, tinham narrações abstratas, singulares e reflexivas sobre o amor que deixam qualquer um perdido; a fotografia realmente é espetacular, com muitas cenas ao pôr do sol, mostrando a natureza exótica, mas a lentidão com que elas passavam era sufocante. Daí, nesse estranhamento, resolvi entrar na internet pelo celular para verificar quem seria o diretor daquela façanha. Só podia ser o mesmo do alucinógino “Árvore da Vida”. Não deu outra. Era ele, Terrence Malick.
E é aí que entra o ponto que quero discutir. A “Árvore da Vida”, com Brad Pitt e Sean Penn, foi tão aclamado pela crítica, ganhou prêmios, os intelectuais faziam “n” reflexões emotivas sobre o filme, e eu, na época, saí do cinema nauseado, dizendo a mim mesmo: vou guardar o nome desse diretor maçante para nunca mais assistir a seus filmes na vida. Mas o que me torna menos intelectual e sensitivo que uma minoria que não consigo ver a tal beleza interior e reflexiva dessas produções? Não sou cult o suficiente para entender a pretensão filosófica e as divagações inexpressivas daquilo tudo? É realmente complicado tirar uma lição de um filme em que a câmera sobrevoa como se tudo precisasse de um olhar espiritual. A liberdade narrativa do diretor ultrapassa o limite do aceitável e, sem um propósito óbvio exposto, o longa se torna descartável, indiferente, chato.
Após o filme, suguei na internet várias críticas, falando bem e mal, para tentar interpretar a postura desse diretor flutuante. Li que a montagem confusa passou pelas mãos de cinco profissionais e que a complexa relação entre amor e fé desse filme parece saltar do último, numa perambulação de atores e imagens, sem foco, sem vida, desestimulantes... Outro detalhe apavorante: segundo uma crítica, o filme foi rodado sem script. Malick deu aos atores páginas de pensamentos e frases, a cada gravação, pedindo para eles interpretarem esses sentimentos apenas com expressão corporal. Dessa forma, como não se questionar por que tantas pessoas entram nessa onda dramática e você sequer chega perto dela? Realmente, essa viagem é para poucos... Mas o que vai ter de Eunice por aí dizendo ficou passada, deslumbrada, tocada, toda excitada com o filme, não estava no roteiro.