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    Máquinas Mortais
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Máquinas Mortais

    Original por fora, clichê por dentro

    por Renato Furtado

    Movendo-se a toda velocidade e preparada para ingerir, Londres — com suas engrenagens imensas, suas rodas monstruosas e sua aparência assustadora — percorre um campo deserto atrás de uma presa. A cidade minúscula, um vilarejo pacato de habitantes tranquilos, inicia a fuga, mas logo fica claro que suas esteiras não serão rápidas o bastante para evitar o destino, que chega em um piscar de olhos e em uma confusão de metal e aço e fogo e destruição maquínica. Visualmente empolgante, desafiadora e promissora, a cena inicial de Máquinas Mortais é, infelizmente, traída pelos eventos que a sucedem.

    Em sua estreia como cineasta, o artista de efeitos especiais Christian Rivers não decepciona naquilo que sabe fazer de melhor: vencedor do Oscar de Melhores Efeitos Visuais por King Kong, o diretor de primeira viagem traduz a visão tecno-apocalíptica do autor Phillip Reeve no livro homônimo que inspira o longa com maestria para as telonas. Ambientada mil anos após a Guerra dos Sessenta Minutos — que destruiu as civilizações e, posteriormente, colocou as cidades sobre rodas, criando as Cidades-Tração —, a narrativa imagina um contexto pós-pós-apocalíptico; uma organização social que pode ser a herdeira da nossa.

    Combinando influências da estética steampunk à la Mad Max e traços da elegante e chique moda londrino-vitoriana, a roupagem visual de Máquinas Mortais é certamente um atrativo. Em um curto espaço de tempo — e sustentando-se apenas em algumas poucas bengalas narrativas, como cartelas explicativas e diálogos excessivamente expositivos —, Rivers constrói as bases de um interessante universo cinematográfico que não só aponta para o futuro de nós mesmos, como também concretiza o autêntico e profundo conceito por trás da quadrilogia de histórias escritas por Reeve: a do "darwinismo municipal".

    Tal filosofia, para resumir a ópera, gera uma espécie de cadeia alimentar de cidades, onde as maiores, como Londres, "comem" as menores para sobreviver e evoluir. A teoria, em si — que remete às atuais tendências neo-expansionistas e neo-imperialistas de potências como Estados Unidos, China e Rússia, determinadas a exercer um domínio territorial, econômico, social, cultural e político sobre nações menos poderosas —, é verdadeiramente instigante. Será que, daqui a muitas e muitas eras, viveremos, por causa de nossos erros e crimes, principalmente ambientais, no mundo "previsto" por Máquinas Mortais?

    Talvez sim, mas não espere que o filme resolva a questão, o que é justamente o problema fundamental deste longa-metragem: a bela, funcional e brilhante embalagem com que a narrativa é entregue não é espetacular o suficiente para desviar a atenção da genérica trama. Assim, o roteiro, escrito e produzido pelo trio da saga O Senhor dos Anéis (Peter JacksonFran Walsh e Phillippa Boyens) prefere estabelecer um frágil romance adolescente nos moldes de Jogos Vorazes e Divergente a resolver os cruciais questionamentos que levanta, quase que inconscientemente, sobre o presente caminhar da humanidade.

    No centro da empreitada, Hera HilmarRobert Sheehan recebem a ingrata tarefa de fazer funcionar uma dupla de personagens cuja química é inexistente. Na pele de Hester Shaw, que aqui assume a função desempenhada por Rey (Daisy Ridley) na "jornada da heroína" da nova trilogia de Guerra nas Estrelas, a atriz islandesa é colocada entre a personagem destemida em busca de vingança e a donzela que luta até perceber que sua única saída é o amor. Sheehan, por sua vez, um ator carismático por natureza, é o herói relutante e em formação Tom Natsworthy, que, também por natureza, dilui as qualidades de seu intérprete.

    Conforme a rasa profundidade dos bidimensionais protagonistas e de seu fraco relacionamento amoroso é exposta, evidencia-se também a intenção principal de Máquinas Mortais: atrair mais pela ação de suas épicas pretensões de iniciar uma franquia de sucesso do que pela sustentação lógica de seu conteúdo, que apresenta uma fundação sólida do ponto de vista conceitual para atingir a mesma finalidade. A aventura perde, portanto, quando triunfam o espetáculo e as expectativas acerca de uma potencial série de sequências e quando as oportunidades de tecer comentários sociais relevantes são perdidas.

    Ao invés de analisar o que poderia nos levar à hipotética Guerra dos Sessenta Minutos e, eventualmente, ao mundo estabelecido por Máquinas Mortais, o filme preocupa-se mais com seus truques visuais. Há um potencial crítico, intrínseco às narrativas alegóricas, que é completamente desperdiçado e esgotado antes mesmo de ser estudado. No fim das contas, é o amor que nos salva de andróides sanguinários e vingativos, e não a consciência ecológica, política e/ou social que, de fato, poderia evitar a eclosão de uma batalha apocalíptica por recursos naturais.

    É tudo muito "bonito" e muito correto no filme, desde as interessantes motivações dos vilões Thaddeus Valentine (Hugo Weaving) e o robô Shrike (Stephen Lang) às reviravoltas que pontuam a trama. Mas o ritmo é ilusório: ao passo em que tudo que é necessário para um bom entretenimento está presente como pregam os manuais de roteiro (introdução, pontos de virada, desenvolvimento, clímax, etc.), o tempo necessário para navegar entre cada etapa narrativa jamais é tomado. É por isso que não há sustentação em Máquinas Mortais: é um blockbuster que resulta apressado, didático e pouco inspirado.

    Quando tudo finalmente é dito, nem mesmo o olhar interessante lançado à nossa época — conhecida como a Era da Tela, representada no longa por celulares quebrados e computadores danificados, verdadeiras peças de museu do tempo do filme — ou a entrada da cantora e atriz sul-coreana Jihae, que vive a rebelde combatente Anna Fang, podem reverter os danos. Somos levados, enfim, para mais uma guerra entre os maus e os rebeldes pela liberdade, mais combates computadorizados, mais uma arma de destruição em massa, mais um vilão megalomaníaco, mais um impossível desenlace feliz e hollywoodiano e por aí vai.

    Marcado por uma trilha sonora sempre a postos para informar que emoções devemos sentir a cada momento e por um desejo incontido de êxito pela estrada mais curta, Máquinas Mortais é original por fora e clichê por dentro, entregando muito menos do que as grandes promessas que faz em seus competentes minutos iniciais.

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