Este filme deveria ser assistido após "A Cor púrpura" (EUA, Steven Spielberg, 1985) pois é quase a sequência natural do mesmo, já que narra os desdobramentos do verdadeiro "apartheid" que se processou no sudeste dos Estados Unidos após a grande depressão. Se Spielberg nos mostra negros que conseguem se tornar pequenos proprietários na virada do século, Tate Taylor nos apresenta mulheres negras, despossuídas, vulneráveis e exploradas, a quem só resta serem expregadas domésticas, quase escravas, nas casas dos brancos. Paradoxalmente, no mesmo momento em que o Reverendo Martin Luther King Jr. realiza a sua marcha em prol dos direitos civis dos negros, as patroas de Jackson constroem banheiros improvisados de madeira nos quintais para as serviçais e as proibem de utilizarem a mesma louça e talheres que os brancos utilizam. Na exata proporção em que os avanços acontecem em Washington, no sudeste do país, atrasado e patriarcal, há um recrudescimento da discriminação e preconceito racial. Conforme a terceira lei de Newton, a toda ação corresponde uma reação. A aliança entre "Skeeter" e as empregadas negras, no sentido do projeto comum da construção do livro (o qual, metaforicamente, redime e empodera todas elas) é a excessão que confirma a regra, já que as suas amigas brancas são tão autoritárias para com as empregadas domésticas quanto as avós haviam sido para com as escravas. Aibileen é o exemplo da empregada negra que se dedica a criar crianças brancas, enquanto seu próprio filho foi morto pelos reacionários, representados muito especialmente por Hilly Holbrook, a detentora das verdades, da moralidade e da tradição: vem daí a condenação da "nova rica" Celia Foote, tida por ela como sendo uma "caipirona". Ela se arvora juiz, juri e tribunal das amigas e sua prole, algoz da própria mãe (a quem interna num asilo simplesmente porque zombou dela) e especialmente de todas as negras que cruzam o seu caminho. Em âmbito local, o filme pode muito bem ser comparado com "Que horas ela volta?" (Brasil, Anna Muylaert, 2015), também ambientado no sudeste, apenas que no sudeste brasileiro. Tal como no exemplo em pauta, também este filme nos apresenta um corolário da maneira pela qual os hábitos arraigados das sociedades escravocratas conseguem se perpetuar sub-repticiamente sob a capa da "modernidade" aparente.