Crepúsculo ‘reloaded’
por Renato HermsdorffAh, o clichê juvenil da metáfora da inadequação social no ambiente de incertezas do high school a partir de um enredo de fantasia... Distópico ou não, o fato é que esse é um universo propício à identificação do (ou de um) público – e, portanto, provavelmente rentável para as distribuidoras. Apesar dos (muitos) problemas, Fallen, no entanto, vai um pouco além do conflito garota-não-sabe-se-fica-com-o-vampiro-ou-o-lobo.
Sim, as comparações com Crepúsculo são inevitáveis. E o filme de Scott Hicks (que, no longínquo ano de 1997, concorreu ao Oscar de melhor diretor por Shine - Brilhante) não evita as similaridades. Além da alegoria da insegurança adolescente, do foco no triângulo amoroso, do pano de fundo paranormal, há cenas que funcionam quase que como uma refilmagem de Twilight (como quando o mocinho de Fallen salta para salvar a heroína de uma estátua em queda – e depois dá as costas –, tal qual o momento em que Edward evita que Bella seja atropelada por uma van).
Na nova “saga” (ainda é cedo para usar o termo), a autora do best-seller homônimo, Lauren Kate, faz uso de um arquétipo conhecido para construir seu universo próprio: a história de Lúcifer, o anjo preferido de Deus que, em dado momento, desafiou o Todo-Poderoso e, como consequência, foi banido do Paraíso. A desobediência teria desencadeado uma cisão entre os anjos que, caídos na Terra, teriam que optar por um lado da força.
Em cima do muro, um deles se apaixona por uma mortal. E sobre eles foi lançada a maldição: sempre que se beijarem (e estamos falando de sucessivas reencarnações), ela morre. Corta para os dias atuais. Lucinda Price (Addison Timlin) é a bola da vez. Quando é mandada para um reformatório para “desajustados”, ela conhece Daniel Grigori (Jeremy Irvine), que, em princípio, a evita. Está muito claro quem é quem nesse tabuleiro. Para “complicar” (e seguir a cartilha), Cam Briel (Harrison Gilbertson), um anjo rival de Daniel, se apaixona por Luce.
Trata-se de um ambiente para lá de artificial o da escola de “Sword & Cross”, povoado, em parte, por anjos supostamente “maus” caracterizados da maneira mais clichê possível. Quem acha que jaqueta de couro, botas de salto e maquiagem carregada – sobretudo ao redor dos olhos – são sinônimos de rebeldia, engana-se. O visual dos revoltosos ressuscita o tom asseado das produções dos anos 1990 da TV Globo – com destaque negativo para a monocórdica (e irritante) Molly (Sianoa Smit-McPhee), que atua como contraponto da personagem principal. O clima geral é cafona.
A contextualização "bíblica" é mais robusta do que o pano de fundo mórmon idealizado por Stephenie Meyer (Crepúsculo) e, mais importante, (pelo menos) procura evitar o maniqueísmo. Além do mais, em relação ao “triângulo amoroso”, os realizadores poupam o espectador do suspense hipócrita de quem-a-mocinha-vai-escolher, quando a opção dela está clara (sempre o está) desde o início.
Mas as transições são bruscas. Daniel, por exemplo, passa de galã indiferente a romântico incorrigível em dois frames, de modo que fica difícil embarcar nas motivações do rapaz. O conflito central também é mal explorado. O longa não oferece ferramentas suficientes para que a audiência possa desvendar a mudança de rumo da história (sem spoiler aqui).
Por fim, é preciso dizer que é difícil avaliar Fallen com uma obra completa. Fiel ao primeiro dos quatro livros escritos por Kate, o filme resulta em uma produção (spoiler?) inconclusiva. A sensação que imprime é a de que o público é exposto a uma sequência de uma hora e meia de “apresentação de personagens”. Saber o destino de Luce e Daniel é algo que vai depender do desempenho deste "pontapé inicial" nas bilheterias.