Um filme muito corajoso que trata sobre muitos aspectos e toca em várias feridas que não fecharão nunca, e para provocar um pouco mais Javier Fuentes pega uma faca e cutuca ainda mais. Trata sobre a quebra de tabus, uma vila de pescadores na costa do Oceano Pacífico de pessoas com pouca instrução formal, futebol, cervejinha gelada e novelas brasileiras – as mais apreciadas – e um padre mão de ferro para segurar tudo isso dentro dos limites aceitáveis.
A película já começa com uma bela barriga de oito meses durante uma endoscopia, que denota um pouco de recursos tecnológicos aos moradores locais, evitando assim rotular a pobreza como coluna central desviando atenção do foco principal. Nosso herói logico deseja um menino para seguir seu legado, justo ele que é uma das figuras mais respeitadas na Vila, ombro a ombro com o sacerdote. Então como cereja deste bolo vem o “imponderável”, e deu para perceber pela reação daqueles que estavam na sala de projeção da Cinemateca no rosto de cada um: lá pelo décimo minuto uma cena de amor homossexual entre o líder dos pescadores e um artista plástico forasteiro. Não precisa muito para perceber que o Diretor do filme teve sim sérios problemas de bilheteria em sua terra natal, um Peru com IDH pouco melhor que muitas nações africanas em conflito civil permanente.
Sim, uma infidelidade conjugal, que seria algo reprovável na ótica de seus conterrâneos e ainda sim infidelidade conjugal homossexual. É um Deus nos acuda. Alguns saíram da sala antes de vinte minutos – existem explicações para tudo – mas mantivemos firmes e assim pudemos desvelar alguns mistérios identificando algumas figuras recorrentes em outras obras, reconhecendo que nosso valente Diretor bebeu em fontes nobres.
O bom do trabalho de Fuentes evita qualquer forma de proselitismo, não comprometendo assim o andamento do roteiro bem elaborado, tipo coisas como negro é bonito ou amor gay é lindo evitando assim hasteamento de qualquer bandeira, longe disso. Apesar de uma vila humilde de pescadores, não se trata de um aglomerado de pobres miseráveis, são de 3º mundo e machistas, e neste ponto que as coisas podem complicar um pouco para o protagonista.
O trabalho de Fuentes faz referências evidentes a obra de “Dona Flor e seus dois maridos” de Nelson Rodrigues, quando o namorado vem perecer afogado e passa dividir a rotina do casal, a “cem anos de solidão” de Garcia Marquez e “Bom dia aos defuntos” do peruano Scorza, excelentes referências. Regada a um realismo fantástico, fica evidente referências fellinianas na trama. Com belíssima fotografia e atuação primorosa dos atores, trata-se de um roteiro corajoso e honesto, considerando que tudo funciona muito bem: enfrentar convenções sociais em favor de ideais pessoais. Curioso que o valente amante não esconde seu machismo uma vez sua preferência por um menino.
Fica cristalina a impossibilidade de se somar duas felicidades, manter seu affair e tocar a vida com esposa e filhos, e tudo acaba mal para todos. A obra apresenta formas diferentes de amor, sem cair na imbecilidade proselitista de erguer bandeiras, apenas mostra cabendo a cada um ao seu ponto de vista entender ou não, mas existe sim e está por aí. Um trabalho sério, justo e muito honesto com todos. Ricardo Klass