É comum acontecer com jovens e talentosos diretores de cinema o mesmo que acontece com jovens e talentosos jogadores de futebol no Brasil. Tão logo são alçados pela mídia especializada ao patamar de grandes talentos geniais, suas performances decaem à medida que sua celebridade aumenta.
Paul Thomas Anderson é um dos mais ambiciosos diretores americanos dos últimos anos. Anderson não quer saber de cinema para divertir. Quer fazer filmes que fiquem para a história do cinema, nada menos que isso. A calorosa recepção que obteve com seu Boogie Nights, parece ter mexido definitivamente com seu ego, disposto a se firmar a todo custo como um novo Orson Welles, ou em último caso um novo Elia Kazan, propondo em seus filmes uma releitura da "América" (entenda-se, os Estados Unidos). As duras e majoritariamente negativas críticas que recebeu por seu Magnólia, rechaçado como pretensioso e moralista, parecem ter dado uma salutar sacudida em Thomas Anderson. O resultado foi o espetacular Sangue Negro, que além de elogios da crítica obteve um inesperado sucesso de público - ao menos nos Estados Unidos, Canadá e Europa.
Agora, com O Mestre, a recepção da crítica foi igualmente excelente, tendo sido considerado como um dos melhores filmes de 2012. No entanto, o filme afundou nas bilheterias, o que definitivamente consolida a opinião geral que o público é mesmo imprevisível, já que O Mestre é bem mais acessível em sua proposta e linha narrativa do que Sangue Negro.
Uma coisa é certa. Thomas Anderson dirige os atores como poucos. Não seria injusto se Joaquin Phoenix este ano houvesse ganho o Oscar de melhor ator ao invés de Daniel Day-Lewis (que já havia ganho um Oscar ao ser dirigido por Thomas Anderson em Sangue Negro). Mas a unanimidade em relação à performance de Day-Lewis já estava consolidada, e no caso de Lincoln, o sucesso foi tremendo, sendo muito mais visto e popular que O Mestre. Embora altamente elogiável sua performance como o presidente americano, pode-se dizer que Daniel Day-Lewis tem uma ótima caracterização no filme, enquanto que Joaquin Phoenix tem uma espetacular performance, tanto no aspecto de composição da personagem quanto em sua interpretação propriamente dita, que lhe exigiu muitos esforços físicos reais (vide a cena do "processo" em que ele é punido se piscar os olhos). É interessante o contraste físico de sua personagem - com um aspecto frágil e senil, envelhecido, magro e curvado - com seu temperamento agressivamente juvenil. Quell gosta de bater, beber e fazer sexo (alguém ai lembrou vagamente de Alex, de A Laranja Mecânica ?). O seu vício em bebida é seu traço mais desconcertante, intoxicando-se com um "coquetel" que ele mesmo criou, que mais parece um veneno, compatível com seu processo auto-destrutivo que vinha mantendo até conhecer seu Mestre, Lancaster Dodd (Seymour Hoffman).
Philip Seymour Hofffman está igualmente excelente, compondo um interessante contraste de personalidade com seu protégé Quell. Lancaster Dodd praticamente o adota, e se vê imbuído da missão de "salvá-lo", inexplicavelmente motivado à medida que a tarefa se apresenta como a mais difícil enfrentada por ele até agora. Pode-se dizer que os dois são a razão de ser do filme, e acompanhar suas interpretações já seria razão de sobra para assistir O Mestre.
Além disso, o diretor Paul Thomas Anderson atingiu a maturidade, longe dos erros tão comuns a jovens e ambiciosos diretores, que acreditam que malabarismos de movimentos de câmera , enquadramentos inusitados e múltiplas histórias que se entrecruzam são sinais de sua pretensa "genialidade". Thomas Anderson já aprendeu que muitas vezes menos é mais, e que um diretor pode demonstrar ser brilhante sem recorrer à "purpurina" técnica. Sua personalidade e inteligência como diretor e narrador é sutil em O Mestre. O filme, na superfície, é aparentemente comum e bem-comportado. Mas uma pincelada aqui, outra ali (a trilha sonora não-melódica, a fluidez não-convencional da narrativa) fazem o trabalho que o diretor espera: deixar sua assinatura.
O diretor afirmou que para criar as personagens Lancaster Dodd e Freddie Quell inspirou-se levemente na trajetória do criador da Cientologia, na vida e personalidade (e personagens por ele criados) de John Steinbeck, e nos relatos sobre a 2ª Guerra do falecido ator Jason Roberts (que Anderson dirigiu em Magnólia). Mas em pelo menos uma cena - inconscientemente ou não - a personagem de Joaquin Phoenix funcionou como um alter-ego metafórico do diretor. É quando Freddie Quell, trabalhando como fotógrafo, irritantemente insiste em manter a luz bem próxima a um de seus fotografados, provocando nele um acesso de ira. Paul Thomas Anderson faz isso em seus filmes. Ao criar suas histórias e personagens, o diretor lança uma luz incômoda sobre a América que quer ver retratada.