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    Melancolia
    Críticas AdoroCinema
    5,0
    Obra-prima
    Melancolia

    RÉQUIEM PARA UM PLANETA

    por Lucas Salgado

    Após a polêmica coletiva de imprensa dada pelo diretor Lars von Trier no Festival de Cannes 2011, que resultou na concessão do bizarro título de persona non grata ao cineasta, Melancolia correu o risco de ficar marcado por causa do ocorrido. Na verdade, ainda existem resquícios da situação, mas a qualidade do filme me faz acreditar que em algum tempo ninguém mais se lembrará da entrevista, enquanto que muitos se lembrarão do longa. No caso de von Trier, as polêmicas passam (esta não foi a primeira), mas o talento continua.

    Alguém aí se lembra que o diretor irritou ambientalistas ao sacrificar um animal nos sets de Manderlay? O mesmo deve ocorrer agora em Melancolia, até porque é um filme muito superior ao citado.

    Deixando tudo isso de lado, vamos ao que importa: o longa é um pequena obra de arte, assim como havia sido o anterior do diretor, o tenso Anticristo. Apesar de serem produções muito diferentes é fácil notar algumas semelhanças entre elas. E não falo apenas da presença da ótima Charlotte Gainsbourg, os dois filmes abusam de um trilha sonora clássica e intensa, e utilizam lindamente o slow motion nas sequências iniciais, isso sem falar na divisão em capítulos - uma marca no cinema de von Trier.

    Melancholia (no original) faz referência a um dos maiores marcos da música clássica, a Nona Sinfonia de Beethoven, mas talvez mais propício fosse citar o fatídico Requiem de Mozart. A produção se apresenta como um filme-catástrofe, mas não vá esperando grandes efeitos especiais como no cinema de Roland Emmerich (O Dia Depois de Amanhã), aqui o foco é na história. Na verdade, a mesma busca retratar mais uma catástrofe familiar do que uma natural.

    A produção é dividida em dois capítulos, que receberam o nome de Justine e Claire, em referência às irmãs vividas por Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg, além do prelúdio composto por cenas belíssimas ao som de Wagner. A primeira parte retrata o casamento de Justine e Michael (Alexander Skarsgard, da série True Blood), enquanto que a segunda mostra como a família de Claire lida com o fato de o planeta Melancolia estar se aproximando da terra. Um ponto interessante na divisão em capítulos foi que o filme não apenas muda a trama em foco, mas também o protagonismo da mesma.

    Por mais que os capítulos pareçam filmes totalmente diferentes, eles possuem uma ligação muito interessante e nada simplória, e mesmo que as pessoas possam ter conclusões diferentes, é difícil acreditar que alguém não reconheça a visão pessimista de von Trier para a sociedade. Em caso de colisão entre o Melancolia e a Terra, é certo que nosso planeta não sobreviverá externamente, mas o que o cineasta dinamarquês busca mostrar é que internamente a situação já está a beira de uma catástrofe.

    As "loucuras" de Justine podem levar as pessoas a acreditarem que o diretor busca apenas contar a história de uma mulher, mas a forma com a qual retrata as demais personagens mostra que o problema é bem mais sério. O egoísmo impera em Melancolia. O pai (John Hurt) de Justine está mais interessado em chamar a atenção de belas mulheres do que com sua filha, a mãe (Charlotte Rampling) tenta expôs sua visão anti-matrimônio no dia do casamento, o chefe (Stellan Skarsgard) quer provar que funcionária não consegue pensar em outra coisa além de trabalho e o cunhado (Kiefer Sutherland) não para de falar sobre o quanto gastou com a festa. O egoísmo do personagem de Sutherland se intensifica na segunda parte, tomando uma atitude covarde que não lembra em nada seus tempos como Jack Bauer em 24 Horas.

    O filme possui uma excepcional direção de fotografia de Manuel Alberto Claro. A maioria das cenas passadas durante o jantar de casamento é realizada com a câmera na mão, passando ao espectador a sensação que ele é mais uma daquelas figuras inquietas presentes no salão. A trilha sonora, além do clássico já comentado, busca algumas canções famosas quase sempre no instrumental, como "Strangers in the Night" e "Smile", sendo um dos filmes mais musicais do diretor.

    A direção de arte e o figurino também chamam muito a atenção e deve surpreender aqueles que conhecem apenas o lado mais minimalista do cinema de von Trier, como Dogville. Dentre as atuações é difícil destacar apenas uma, afinal todo o elenco está muito bem, mas também é complicado não falar da marcante presença de Kirsten Dunst. Conhecida como a Mary Jane da trilogia Homem-Aranha, a atriz já havia demonstrado muito talento em As Virgens Suicidas e Maria Antonieta - ambos dirigidos por Sofia Coppola - e agora realiza sua melhor atuação. Ela conquistou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes pelo papel.

    Não existem soluções simples em Melancolia ou qualquer tipo de redenção. É um longa único, como costumam ser os de von Trier, que deixa o espectador quase que num transe após a sessão. Você pode até não gostar, mas é difícil não se envolver.

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