Ela tem a força!
por Lucas SalgadoPrimeiramente, um aviso: se você é desses que sai por aí gritando que o politicamente correto está acabando com o mundo, se é alérgico a palavras como representatividade ou feminismo sem nem tentar entender seus conceitos, talvez não vá gostar desta crítica. E mais, talvez não vá gostar deste filme. “Ah, lá vem vocês com esse mimimi insuportável, é só mais um filme de super-herói. Não tem relação nenhuma com essas coisas.” Não, não é apenas mais um filme de super-herói. E não é apenas uma questão semântica ou jogo de palavras, afinal estamos diante de uma heroína. A questão, na verdade, é que estamos diante da melhor adaptação da DC desde Batman - O Cavaleiro das Trevas, uma produção que surge para dar nova vida ao novo universo da companhia, prejudicado pelo irregular Batman Vs Superman - A Origem Da Justiça e pelo trágico Esquadrão Suicida.
Mulher-Maravilha é o primeiro filme-solo de uma heroína a ganhar as telas desde o péssimo Elektra, em 2004. Mas lá, estávamos diante de um outro mundo, em que as adaptações de HQs ainda não eram algo tão grande como hoje em dia, num mundo pré-universos Marvel e DC. E se a Marvel foi mais rápida ao reunir seus principais super-heróis em uma só obra, a DC venceu a corrida para lançar o primeiro filme-solo com uma protagonista feminina, mostrando que a concorrência errou ao não se render aos apelos por um longa da Viúva Negra, por exemplo.
Wonder Woman é uma história de origem, mas que não deixa de apresentar sua ligação com o universo da Liga da Justiça ao trazer breves momentos passados nos dias atuais. A maior parte da trama, no entanto, ocorre no passado. Somos logo apresentados a uma pequenina Diana, princesa das Amazonas, que vive numa ilha isolada do mundo. Ela sonha em treinar para se tornar uma brava amazona, mas é proibida pela mãe (Connie Nielsen), que teme em ver a filha em combate. A jovem, entretanto, busca a ajuda da tia (Robin Wright) para completar seu treinamento.
Treinamento que se mostrará bem-vindo quando, anos mais tarde, um avião cai na costa da ilha e Diana (Gal Gadot) é obrigada a socorrer o piloto, o espião britânico Steve Trevor (Chris Pine). Ela consegue retirá-lo do mar, mas logo descobre que ele era parte de um conflito muito maior, que ameaçava todo mundo, a Primeira Guerra Mundial. Tomada pela missão e pela vontade de proteger a humanidade, Diana decide contrariar a mãe e seguir com Steve para o campo de batalha.
Sem entrar em detalhes específicos da trama, o filme deixa um pouco de lado o tom sombrio de Zack Snyder, mas, para alívio dos fãs da DC, não chega perto do universo multicolorido e bem-humorado da Marvel. Na verdade, há uma celebração do fantástico, principalmente ao investir numa abordagem menos realista, que envolve diretamente um cenário mitológico. A diretora Patty Jenkins parece ter lido todas as críticas negativas de Batman Vs Superman e Esquadrão, investindo num humor natural e privilegiando cenas com boa iluminação. Boas partes dos confrontos, por sinal, acontecem durante o dia, evitando aquela bagunça visual que é o final de BVS.
Falando nas cenas de ação, são vários os confrontos. E todos muito empolgantes, principalmente pela postura central de Diana. Em determinado momento, ela é informada por Steve que nenhum homem conseguiria atravessar tal campo de batalha. Um roteiro mais piegas colocaria ela respondendo: “eu sou uma mulher”. Mas o filme não precisa disso. A postura e atitude da personagem fala por si só.
Sempre que uma obra investe em representatividade, vem um hater e questiona: mas e tal minoria ou coisa parecida? Então, Mulher-Maravilha tem o foco no protagonismo feminino, mas não só isso. O longa também aborda brevemente a questão racial, com um personagem que não consegue seguir seu sonho por causa da cor de sua pele. Também trata de sexualidade de forma inovadora.
Patty Jenkins, que já havia se destacado em Monster - Desejo Assassino e na série The Killing, cai como uma luva no mundo dos super-herói. O filme funciona como ação, como fantasia, como aventura e até mesmo como romance. Trata de um amor entre pessoas, mas também de um amor altruísta pela humanidade. Neste sentido, chega até a ser um pouquinho piegas, mas é importante por desenvolver uma protagonista que é forte e determinada, mas também sensível e capaz de amar.
Ator repleto de altos e baixos, Chris Pine está bem no papel de Steve. Obviamente, está numa posição de fragilidade em comparação a Diana, mas não deixa de ser importante no desenvolvimento da trama. Mas o filme é mesmo de Gal Gadot. Se ela foi muito criticada à época de sua escolha (pelos motivos mais equivocados, diga-se de passagem), hoje ela é a cara da Mulher-Maravilha. Já havia sido a melhor coisa de BVS. E agora se mostra uma personagem complexa, bem desenvolvida, repleta de empatia e pela qual o público torce facilmente. Isso se deve principalmente pelo bom trabalho ao apresentar a história de origem dela.
Sempre ponto de divergência na guerra Marvel x DC, o humor está presente no novo longa. E se revela extremamente importante na construção da personagem e de sua relação com Steve. O humor humaniza Diana, reforçando sua inocência de alguém que viveu isolada do mundo e que, agora, vê prazer em pequenas coisas, como num sorvete.
O roteiro de Allan Heinberg, que tem a experiência em trabalhar em séries com protagonistas femininas marcantes como Sex and The City, Gilmore Girls e Grey’s Anatomy, acerta em diversos pontos, inclusive no fato de jamais usar o nome Mulher-Maravilha. Não há momentos de auto-ostentação. Diana fala por si só.
Nos últimos anos, Jenkins se destacou mais com séries do que no cinema. Aproveitando o bom momento da TV americana, ela se cercou de profissionais de trabalham em séries em WW, como o diretor de fotografia Matthew Jensen, com trabalhos em Game of Thrones. Ele desenvolve um visual particular ao filme, que supera todo aquele cinza de Snyder. Isso beneficia inclusive o 3D, embora o formato ainda esteja longe de ser fundamental para a história. Pelo menos os fãs não ficarão confusos nas cenas de ação.
A narrativa possui problemas na apresentação de seus vilões. Alguns dos antagonistas não são tão ameaçadores quando deveriam ser. E o plot twist na história não é lá muito surpreendente. Mas não é um filme de heróis contra vilões. É sobre o surgimento de uma heroína. E isso a produção entrega com primor.
Muita gente vai diminuir algumas questões do filme e, como dito lá no começo, trata-lo apenas como um filme de super-herói. Mas não se engane! Não é coincidência que o primeiro filme de super-heroína dirigido por uma mulher ser também o primeiro a oferecer uma protagonista que não seja mero símbolo sexual. Há uma clara preocupação na mensagem que está sendo transmitida. E, melhor, tal transmissão é bem sucedida.
A personagem volta ainda em 2017 em Liga da Justiça. Mas já queremos saber quando chega Mulher-Maravilha 2.