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    O Conto da Princesa Kaguya
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    O Conto da Princesa Kaguya

    A mulher de ninguém

    por Bruno Carmelo

    É uma excelente notícia a estreia de uma animação do nível de O Conto da Princesa Kaguya, do veterano Isao Takahata, nos cinemas brasileiros. O filme navega na contramão das produções atuais, ignorando o imperativo de velocidade, de entretenimento fácil, de escapismo, de referências pop. Esta produção confere tempo aos seus personagens para ficarem em silêncio, refletirem, evoluírem. O cineasta sabe que a poesia está ligada também ao deleite das imagens, e para os fãs do cinema contemplativo, a narrativa oferece um verdadeiro banquete.

    Sem os recursos típicos das animações computadorizadas, que buscam trejeitos realistas, a obra japonesa se apoia na força do desenho manual, na sugestão dos traços mínimos. A história mágica de Kaguya – que nasce de um bambu, cresce como camponesa até receber uma educação de princesa – torna-se ainda mais potente pela economia de traços e pelas pálidas cores pastéis. O ritmo é bem dosado: o minimalismo do cenário torna os conflitos (a fuga de Kaguya, os tecidos jogados ao céu) ainda mais fortes, por contrastarem com as cenas anteriores.

    Assim, não existem vilões ou mocinhos, bem ou mal. Tampouco se empurra ao espectador mensagens fáceis sobre o amor ao próximo ou a preservação do meio ambiente. Mesmo que se considere O Conto da Princesa Kaguya um filme infantil – algo contestável – esta é uma história que respeita a capacidade intelectual e reflexiva do espectador. Takahata não nivela o seu discurso por baixo, pelo contrário: ao adaptar o famoso conto japonês, traz à tona uma fábula política e social, muito pertinente aos dias de hoje. Debate-se em profundidade a luta de classes (afinal, Kaguya é uma “nova rica”) e a posição da mulher na sociedade.

    Não seria absurdo interpretar o filme como uma fábula feminista. Kaguya é uma personagem forte, que recusa o casamento arranjado por seus pais, foge aos flertes autoritários do rei e rebela-se contra a etiqueta rígida imposta às princesas. Ela gosta do campo, da vida simples, e tolera os furtos do seu amado, que vive em meio à natureza. (Se Kaguya fosse ocidental e contemporânea, ela seria considerada comunista e baderneira, e os furtos de seu amado Sutemaru seriam usado como discurso para a redução da maioridade penal...).

    É surpreendente encontrar uma obra ao mesmo tempo tão atual e tão universal, tão política e tão poética. Diversos questionamentos podem ser extraídos da trajetória atípica de Kaguya, esta mulher de ninguém, guerreira silenciosa e militante à frente do seu tempo. O conteúdo incisivo da obra é temperado com as imagens mais doces e belas que o cinema de animação tem produzido nos últimos anos. Isso sem falar na conclusão surpreendente, mágica e amarga – talvez um pouco chocante aos espíritos otimistas. Com esta produção, os estúdios Ghibli provam mais uma vez a sua irônica capacidade de usar a fantasia para fazer um retrato realista do nosso mundo.

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